23.12.11

Mulheres

Peles brancas, com sardas, morenas. Cabelos compridos, curtos, ondulados lisos. Rabos gordos, ossudos, flácidos e rijos. Redondos, achatados, outros descaídos. Mamas, muitas mamas, umas saltitonas outras tristes. Mamas frondosas e mamas tímidas, mamilos grandes, mamilos pequeninos, uns rosados outros negros. Cremes e óleos, peles lisas e lustrosas. Peles estriadas e engelhadas. Peles viçosas, espinhas cheias de pus, cicatrizes e eczemas. Corpos, muitos corpos, a granel, por atacado. Vapor, suor, rostos vermelhos, afogueados. Cheiro a sapatos transpirados, a axilas suadas, a bafos sedentos. Desodorizantes e perfumes e produtos de cabelo. Às vezes reparo mais num corpo ou noutro. Gosto de corpos, de espiolhar corpos, se pudesse via-os até por dentro, como numa autópsia. Gosto das barrigas e das coxas. Cheias de celulite ou musculadas, não importa. Gosto das curvas férteis das mulheres, e não me fazem impressão nenhuma as velhas com as peles descaídas e os ossos tortos. Só há uma coisa, absolutamente democrática, há em novas em velhas, em gordas e em magras, em boazonas e em arrombadas, que me mete nojo. Que me desilude e me deita por terra. Olho-lhes para as unhas dos pés e muitas delas, é ver literalmente o verniz a estalar. Unhas de pés pintadas de cores fortes com o verniz todo descascado e algumas, lá pelo meio, até já sem nenhum. Que nojo. É nestas coisas, nas que não estão à vista, que se vê a elegância de uma mulher.

11.12.11

Agora aguenta que ninguém te mandou meteres-te nelas

Textos, e mais textos. Resumos de textos, textos argumentativos sobre outros textos. Um ensaio sobre um livro que escolhi e que me custou imenso acabar de ler. E mais trabalhos, que são textos, sobre as características do texto lírico, e sobre as diferentes correntes literárias. E outro trabalho que consiste em utilizar a linguagem html e construir um website, com tema à minha escolha. E o emprego, e os rapazes, e os trabalhos de casa e os testes deles, e a roupa para passar a ferro, e o carro para levar à inspeção, e as contas para pagar, e os papéis para arrumar. A minha vida parece um castelo da cartas, abana uma e eu seguro, para logo de seguida abanarem mais duas ou três. E eu seguro, e eu corro, e eu aguento. Não sei quanto tempo mais. Fecha os olhos, respira e aguenta, trabalha, não durmas, trabalha. Podias muito bem ter ficado quieta, mas não, queixavas-te do tédio, não queixavas? Agora aguenta, é bem feito, vês? Tédio é a última coisa de que te podes queixar.

1.12.11

Detalhes

Equipas-te e vais para a aula de Power Camp, fazes o aquecimento e ficas a morrer com a língua de fora e com a boca seca, mas de alguma forma inexplicável continuas e fazes os exercícios todos mesmo já te arrastando nos últimos vinte minutos. Chegas ao edifício com folhas secas presas no cabelo, com a camisola completamente suada, as calças cheias de lama no rabo e nos joelhos e a cara simplesmente quase a entrar em combustão espontânea. No balneário despes-te aflitivamente e metes-te debaixo do chuveiro e parece que chegaste ao paraíso, água quente no corpo, o champô, o gel de banho, cheira tão bem, hum, que bom. A saga de secar o corpo e vestir a roupa num ambiente quente e saturado de vapor de água é só mais uma cena que tens de ultrapassar e quando entregas a chave do cacifo e levantas o cartão ainda não estás completamente seca, até porque ainda não paraste de transpirar. A caminhada de volta ao carro sabe-te bem, estás relaxada, o corpo ainda um pouco dormente, o cabelo molhado e os pulmões a debitar ao máximo. Sentas-te à mesa no restaurante, o teu amigo serve-te um copo de água e ao agarrar no copo reparas que tens as putas das unhas todas pretas, cheias de terra.

14.11.11

Correção

Não, acontecer acontecem-nos coisas como sermos atropelados, ou o eclodir de uma doença que estava escrita nos nossos genes. Há coisas que não nos acontecem, nós é que nos metemos nelas ou então não temos força ou esperteza para as evitar. Isso sim.

9.11.11

Escolhas

Não são as minhas decisões que tens dificuldade em aceitar, em engolir. São as tuas. É muito mais difícil, não é?

6.11.11

Changes

"...and what would be the point of living if we didn't let life change us?"

2.11.11

Estudos

Terceiro ano do primeiro ciclo, o pequeno estuda Estudo do Meio. Aborda os monumentos, alguma história da cidade onde vive, no livro que não é o estipulado pela escola mas outro de exercícios que o pai lhe comprou (o pai tem o hábito, bom hábito, diga-se de passagem, de lhes comprar livros de exercícios complementares) e ia desfiando as perguntas em voz alta. Chegou à parte das autoridades, forças de segurança, e a pergunta era esta, ou parecida com esta: Qual é a figura de autoridade na tua freguesia? A resposta dele, muito pronta, sem hesitar: A minha mãe!

28.10.11

Power camp #3

Peso ainda não perdi, mas barriga e rabo estão a diminuir, já se nota. Ontem fiquei desiludida porque achei que ia correr e rebolar na erva à chuva. Lama também não havia que o treinador quis ser simpático e levou-nos para uma parte do campo longe de qualquer lamaçal, tive pena. Mas foi bom, a pele a queimar, os músculos a doer, o coração a rebentar no peito e a erva húmida no corpo é sem dúvida, uma sensação excelente. Amanhã há mais.

26.10.11

Nunca pensei

Choca-me a necessidade que algumas pessoas sentem de magoar, o tempo que gastam a construir raciocínios e formas subtis de atingir o epicentro da fragilidade, não é para todos. Choca-me mais até do que me dói.

19.10.11

Física

Se acariciar os lábios com a língua durante algum tempo consigo sentir o sabor da tua boca na minha, como às vezes ao tocar inadvertidamente na minha pele sinto o toque quente dos teus dedos, ou como quando de manhã ao acordar me viro na cama e sinto o teu cheiro nos lençóis, sim, o meu corpo ainda é o teu.

18.10.11

Jardim

Eram uns oito ou nove, jovens e giros ali a tostar ao sol. Encaixavam as pedrinhas brancas e as pretas no desenho pré-definido. Estão a acabar de calcetar o jardim ali no centro. Tão engraçados com os coletes amarelos e os capacetes. Juro que me apeteceu abrandar, meter a cabeça de fora do carro e atirar um grandessíssimo piropo, daqueles que normalmente se esperaria que fossem eles a mandar às moças. Não tive coragem, mas abrandei e ao passar olhei para eles e sorri. Eles sorriram-me de volta, que bom.

17.10.11

Power camp #2

Já fiz três aulas e já não me dói tudo. Dói-me quase tudo.

13.10.11

Tudo bons rapazes

O Bita deve ter mais uns dez anos do que eu. Vive com a mãe e com o irmão mais novo, o pai morreu há poucos anos. É o mais velho de seis irmãos, todos rapazes, e um deles morreu de acidente de carro também há uns anos. O Bita é um tipo que está sempre bem disposto, trabalha há anos para o mesmo patrão e tem uma adoração tremenda pela mãe e pelos irmãos. Fez-me chorar quando no enterro do pai gritou ao irmão já ido há muito, Zé, toma conta do nosso pai! Faz-me sorrir sempre que fala comigo, estás boa rapariga? Tudo bem Bita, e tu? Tudo em ordem, até logo. A mãe diz que o meu Vítor é a alma da casa, que sempre foi. Foi o primeiro filho, e teve problemas em pequeno, e por isso é que ficou assim, nunca deu nada na escola, tem problemas de cabeça, diz a mãe. Mas todos sabemos que é um homem bom, puro. O Bita não tem maldade, todos gostam dele e o respeitam. É um gosto vê-lo ao sábado de manhã a empurrar o carro do super mercado, acena-me sempre, enquanto a mãe escolhe nas prateleiras e o irmão mais novo coloca dentro do carro. Os do meio já saíram de casa, casados ou não, já não vivem com a mãe. Ficaram o mais velho e o mais novo. Aquela mãe, viúva agora, deve ser das mães mais realizadas. Aqueles homens fazem tudo por ela, vê-se-lhes a meiguice e o carinho com ela, que também sempre fez, sabe Deus as dificuldades, tudo por eles, tal como faz agora pelos netos. São todos bons rapazes, todos simpáticos e conheço-os desde sempre, uns mais bonitos, ou mais faladores do que outros, mas o meu preferido é o Bita. O Bita é alegria.

12.10.11

Precipício

E aos trinta e seis anos volto a sentir-me insegura e acagaçada. Recordo como é constatar a ignorância e abrir involuntariamente as portas ao medo. Saio, ao fim de muitos anos, da minha zona de conforto e tenho de respirar fundo para não sucumbir ao pânico. Trinta e seis e mais parece que tenho dezasseis. Não gosto.

9.10.11

Medo, medinho, daquele de não caber um feijão no...

Vinha toda lançada para meter aqui um texto que acabo de escrever sobre o amor a mando do professor de Português. Quer avaliar o nosso nível de escrita. Dez linhas, disse ele, não é preciso mais. Mas não, não meto aqui o texto. Ele disse que vai ao Google e mete as primeiras frases dos trabalhos só para topar as batotas. Ficava logo queimada, era lindo ele descobrir que copiei um texto de um blog chamado somos-a-normais escrito por uma tipa que diz que é jacklyn. Esturricadinha. Já enviei o texto por e-mail e a verdade é que não me cabe um  feijão no cu.

Power camp #1

Ora bem, o cabelo. E mais? As unhas, e sim, os dedos também. Assim de repente não me ocorre mais nada que não me doa. É, basicamente, é isto. Ontem doía um bocadinho, mas hoje... Venham internar-me por favor que ainda assim estou para aqui a pensar repetir a dose de Power Camp (é assim  que eles chamam àquilo) durante a semana. Fiz tudo, menos cantar aquelas cenas ridículas tiradas dos filmes da tropa. Era o que me faltava. Isso não fiz.

4.10.11

Actividades extra-curriculares

Ele é jantares, ele é worlshops, ele é as tunas, ele é corridas, ele é jogos de toda a espécie, ele é cursos disto e daquilo, depois junta-se a copofonia das festas à noute e é óbvio que a rapaziada não tem tempo para estudar. Registei-me naquilo e digo-vos do fundo do meu coração, estou varadinha da minha vida com a quantidade de e-mails que recebo diariamente de pessoas e entidades ligadas à Universidade do Minho a aliciar os estudantes para todas as merdas e mais algumas. Não admira que a canalhada ande com a cabeça virada do avesso, eles têm muito mais que fazer do que tirar cursos. O tempo não lhes chega para tudo, claro que não.

3.10.11

Teste

Este post serve apenas para testar os conhecimentos que adquiri na semana passada.

30.9.11

Orelhas

Como esta semana ficaram a dormir em casa dos meus pais para eu poder ir às aulas e como ontem não tive, fomos para casa e decidi deixá-los dormir comigo apesar de ser quinta-feira. Combinamos jogar às cartas antes de dormir, duas partidas às orelhas disse eu, que já não havia muito tempo, e já estavam os dois de pijama, dentes escovados e sentados de pernas à chinês em cima da minha cama, quando da minha casa de banho os ouvi a combinar, o grande para o pequeno, se a mãe perder dou-lhe beijos, se perderes tu levas orelhadas, e o pequeno está bem, se for a mãe leva beijinhos mas se fores tu, coooooooçaaaaaaa!

26.9.11

Estreia

Meu dito, meu feito. Ainda dei duas voltas até atinar com a entrada, só depois percebi que mesmo assim não dei com a entrada, mas lá consegui estacionar num buraquito e fiz a caminhada até lá. Ao telefone com uma amiga a dar-me direcções descobri o edifício que queria e cheguei à sala que marcava o horário. Vazia. Sem surpresa, mas fiquei sem saber se o professor teria aparecido ou não, à hora que cheguei tinha tido tempo de se apresentar, os alunos também e de alegremente se terem todos despedido até à próxima aula. Vagueei pelos corredores e percebi a geografia do edifício. Tive tempo para um café e para ler mais um pouco do meu livro. Depois fui à cafetaria. Uma sopa, uma maçã e outro café. Na fila, duas miúdas com a cara pintada viraram-se para trás e perguntaram-se se era professora. Sorri e respondi que não, mas também não disse que era tão caloira como elas. Já cá fora, outra miúda perguntou-me onde era uma sala qualquer e eu, que já por lá tinha andado, dei-lhe instruções precisas para lá chegar, ela ficou a pensar que eu percebia daquilo a potes. Finalmente a hora da aula e eis que me aparece uma prof com idade já próxima da reforma, um ligeiro sotaque brasileiro, simpática, e cinco compinchas de turma. Meia dúzia de gatos pingados, literalmente. Introdução aos Estudos Literários, primeira obra: Capitães de Areia (ou será da Areia?) Gostei. Este livro nunca li, mas gosto de Jorge Amado. A frustração de não ter chegado a tempo do Inglês foi subsituída pela pontinha de entusiasmo dos Estudos Literários. Jorge Amado, bem bom.

Butterflies

É hoje. Não sei onde é o campus, faço uma pequena ideia para que lado fica e a estrada que tenho de fazer, mas não sei exactamente onde é. Diz que as aulas começam às cinco, mas às cinco nunca na vida lá estarei, se conseguir lá chegar às sete já será bem bom. Depois tenho de aprender a ler as siglas que constam no horário, lá diz CP1- C1/304 TP1, que para mim é tão compreensível como mandarim, e descortinar onde é a aula de Inglês A2. Estou ansiosa, admito. Sou antiga.

25.9.11

Velhos

Hoje vi o Sr. Lopes. Conheço-o desde que me lembro, era amigo do meu avô e frequentava a nossa casa. Hoje faz noventa anos, um homem de cair para o lado. Fato cinza escuro e uma gravata de cor indefinida numa camisa branca imaculada. Um metro e oitenta e cinco, no mínimo, de pura elegância, esguia e leve. Lavrador, sim lavrador, aqui diz-se lavrador, agricultor é palavra chique e aqui não há lavradores chiques. Há homens como o Sr. Lopes, lindos, magníficos, velhos e vividos. Há homens cuja palavra vale a própria vida, cuja honra está acima de tudo. Há homens humildes e dignos, trabalhadores honestos com as mãos cheias de calos e que sabem dar valor ao que têm. Havia, porque do grupo de amigos do meu avô, o Sr. Lopes é o último, o Sr. Miranda foi a seguir ao meu avô e resta o Sr. Lopes que era o mais novo. Dezanove anos mais novo do que o meu avô, lembro-me que ele dizia sempre, o Lopes é um rapaz novo, e eu ria-me, porque o meu avô é que era velho, aos noventa saía com putos de setenta.

23.9.11

O grande

Ontem fui com ele fazer o percurso de autocarro até ao Instituto Britânico, para ele aprender. Começa na próxima semana as aulas, às segundas e quartas, das cinco e meia às sete. Ensinei-o a ir de autocarro, o salão de estudo que ele frequenta fica mesmo ao pé da paragem, até ao centro da cidade e de lá, a pé, pelo passeio e sempre pelas passadeiras, até à porta do Instituto. Depois voltamos para trás até à paragem do autocarro que faz o percurso inverso. O plano é ele vir ter comigo ao escritório quando acabar a aula e vai comigo para casa mas, visto que eu também vou ter aulas e posso não conseguir alguém para o ir buscar, assim fica a saber também voltar de autocarro, caso seja necessário. Tinha combinado uma boleia do meu irmão para regressarmos, e enquanto esperávamos por ele, apareceu o autocarro. Mãe, deixa-me ir sozinho, deixa-me, é facílimo, eu sei onde tenho de sair, vá deixa-me, eu sei, não te preocupes. Hesitei. A sério, mãe, saio em frente à escola e vou para casa da avó, deixa-me. Deixei. Foi todo contente, como um homem. Quando cheguei a casa dos meus pais com o meu irmão já lá estava, satisfeitíssimo.

22.9.11

O pequeno

Chamo macacos aos meus filhos, e eles sabem perfeitamente que é um carinho. Macaquinhos, às vezes, também. O meu irmão de vez em quando também usa a mesma expressão, quando se quer meter com eles. No outro dia chamava por eles, onde estão os macaquinhos, onde? O grande, lixado, ai é? Se nós somos macacos, tu és um gorila! E o pequeno, de longe, calmamente, é, é um gorila... sem pila.

Faz hoje oito anos.

20.9.11

Permissão

Recebo um sms pouco antes das dez da noite, posso ligar? Deixei. O meu coração não disparou nem fiquei a tremer. Falamos e confirmei-lhe que entrei no curso que queria e que ao invés de ter sabido só o resultado ontem como estava previsto tinha recebido e-mail no sábado à tarde. Ficou contente mas não surpreendido, disse que nunca duvidou e deu-me os parabéns. Não é nada de extraordinário mas agradeci. São dez, tenho de deitar os miúdos, certo, certo, não te atrapalho, fica bem, obrigado por fazeres parte da minha vida. Manda-me email no dia do meus aniversário, telefona-me no dia em que sabe que saem os resultados do ensino superior, e faço parte da vida dele por lhe permitir estes pequenos nadas. E agradece-mo. Nesse momento soube serena e tranquilamente que é uma questão de tempo. Não mantemos contacto, desde que acabei com tudo que não lhe ouvia a voz, apenas me escreveu. Serão anos, não importa, mas é uma questão de tempo. Há-de aparecer-me alguém pelo meio, aposto, mas ele há-de vir, livre, e onde quer que eu esteja, com quer que eu esteja, desembaraçar-me-ei e serei dele. Simples.

17.9.11

Agri-doce

Recebi há bocado o email que me diz que fui colocada e estou contente. Claro que estou. Mas fixe, fixe teria sido ter pegado no telefone e ter partilhado, só que não posso, e estou triste. Claro que estou. Quando temos de guardar as alegrias só para nós, transformamo-las tristezas.

13.9.11

Ausência

À excepção dos meus filhos e de tudo o que a eles diz respeito os meus interesses resumem-se a praticamente nada, faço o que tem de ser feito para garantir o bom funcionamento da casa e à noite vejo televisão. Vejo sempre algo que não envolva esforço mental. Recuso simplesmente telejornais e debates. Vejo animais e máquinas ou polícias e agentes secretos em perseguições de automóveis e tiros e explosões. Ocasionalmente um filme, mas com filmes costumo adormecer. Vidinha interessante que eu tenho.

7.9.11

Saudade

Gosto do aroma e aproximo-me de quem estiver a fumar. Deixo fumar no meu carro e na minha casa desde que os miúdos não estejam. Mas fumar, não fumo, nem fumei mais desde há um ano. Faz hoje.

5.9.11

Momentos marcantes

A noção de que o meu filho mais velho ia começar a escola priomária foi um momento marcante para mim, depois quando começou o ciclo (acho que já não é assim que se diz) coincidiu com o início da primária do mais novo, outro momento marcante. Este ano o mais velho está no sétimo ano, inicia-se outro ciclo e eu sinto estas coisas. Mas choque mesmo senti quando percebi que as sapatilhas dele, que já não usa porque lhe ficaram pequenas, me servem. Que estalo, arrasou-me.

Grandes questões

Fui informada há uns meses que em Setembro poderia ter de ir a Paris reunir com um cliente americano que lá vai visitar uma feira. Se conseguirmos conciliar todas as agendas (a minha é a mais fácil, estou sempre aqui e vou para onde me mandarem) haverá reunião no nosso escritório de Paris. E de certeza que por causa desta possível viagem sonhei no fim-de-semana passada que o meu cliente me convidava para ir trabalhar com (não para) ele em Los Angeles, durante três estações, e o meu boss lambeu os beiços e esfregou as mãos (não tenho a certeza se por esta ordem) e quase que lhe vi cifrões nos olhos como o Tio Patinhas, pois isto implicaria eu orientar os produtos para a nossa empresa, fazer o desenvolvimento e acompanhar a produção. Do lado de lá. Esta brincadeira iria significar eu embolsar uma pipa de massa que me permitiria liquidar metade do meu calote ao banco. Pagava metade da minha casa. Tripei. Eu a sonhar e a passar-me da cabeça. O que é que eu faço? Três estações é mais de um ano, e os meus filhos? Não, não posso. E a massa? É muita massa. O que é que eu faço? E acordei e fiquei a pensar nisto, o que é que eu faria se me propusessem uma coisa assim? Algo que monetariamente valesse a pena mas que me afastasse dos meus filhos por um tempo considerável? O que é que eu faria. Pois hoje digo, com toda a certeza: não sei.

1.9.11

Vida

Ontem à noite fui buscar o edredon, tenho sentido frio. Já me tinha esquecido como é bom dormir nua, já me tinha esquecido que às vezes o meu corpo ganha vida própria.

29.8.11

Pele

Estou a pensar seriamente em fazer sessões de dança lá em casa. Toda a gente sabe que eu odeio fazer exercício físico, mas gosto muito de dançar. Ao som disto, então...

27.8.11

Acordar

Aqueles minutinhos de sábado de manhã são insubstituíveis. Quando eu os acordo e eles ainda sem abrir os olhos se viram para mim e me abraçam. O pequeno do lado esquerdo dá-me um beijo mesmo de olhos fechados e o grande do lado direito põe a perna por cima da minha. Ficamos assim, eu derretida com um de cada lado agarradinhos a mim, eles quase acordados, ainda de olhos fechados, quentinhos no mimo da mãe.

(sexta-feira é a noite de dormir comigo)

24.8.11

Post aborrecido sobre roupa, ou moda, não sei bem.

Trabalho há vinte anos na industria têxtil, em vestuário, e no entanto, não percebo um boi de moda, por um motivo extremamente básico, nunca a moda me interessou. Vagueio pela blogsfera e vejo os blogs famosos de mulheres supostamente entendidas na matéria, vejo fotografias de revistas conceituadíssimas a lançar tendências, vejo catálogos de marcas conhecidas com as novidades de cada estação. Talvez por lidar com roupa há demasiado tempo moda é assunto que não me diz nada. Não gosto, e se pensar um bocadinho mais poderia dizer até que me causa um nadinha de asco. Sou obrigada a saber qual é a tendência da estação em termos de cores, formas e texturas, mas só porque sou obrigada. Sei se a roupa tem qualidade ou não e se a relação qualidade/preço está bem ou mal. Às vezes rio-me com as marcas que andam aí na moda, se as pessoas soubessem, mas não vou ser eu a destruir o glamour da coisa. Aliás, até vou. Quando as marcas aparecem em Portugal, normalmente já não valem a ponta de um chavo no país de origem, é triste mas é verdade. Uma marca nova, hot, muito fashion, quando começa a ser vista cá, é porque já deu o que tinha a dar. Exemplo, em 2003 comecei a trabalhar uma marca americana que começou a dar que falar nos USA quando o designer que lhe pegou resolveu deixar meia dúzia de bonés no hotel onde estava a Britney Spears e a moça meteu o boné na cabecinha. Namorava ela na altura com o Justin Timberlake. E a marca explodiu porque a rapariga apareceu na TV ou numa revista qualquer com o puto do boné e milhões de pessoas quiseram ter o mesmo boné. Quando foi preciso fazer t-shirts a granel, cá apareceram eles, para produzir em Portugal. Até aí faziam t-shirts em Los Angeles, como? Compravam t-shirt lisas, em várias cores à Americal Apparel, sim é verdade, a America Apparel é uma empresa que faz roupa de péssima qualidade, a preços de merda, na Ásia, mas só as bases, as formas, para vender a outras marcas que depois personalizam, com estampados, bordados ou outras decorações, mas agora a American Apparel parece que está na moda, enfim. Nesse ano, essa marca dos bonés vendeu muitos bonés e muitas t-shirts, no ano seguinte explodiu na Europa, por altura do Europeu de futebol de 2004 tivemos uma convenção aqui na terrinha, recebemos todos os distribuidores europeus e vendemos umas boas centenas de milhar de peças, sem contar com as encomendas para os USA que fomos depois buscar a Saint-Tropez, onde o tal designer estava de férias com a família. Bom, tudo isto para dizer que, esta mesma marca só começou a despontar em Portugal cerca de três anos depois, só que três anos depois, já o designer tinha batido com a porta e lançado outra marca que já tinha explodido nos USA, já não vendia quase nada nos USA e na Eurora já estava em decadência. Quero com isto dizer que, nunca vi nenhuma das marcas "cutting edge" em blog nenhum, ninguém as conhece. São aquelas marcas pequeninas, topo de gama, que as outras marcas vão copiar. Peço desculpa, copiar não que é feio, vão retirar inspiração. São aquelas marcas que encomendam quinhentas ou mil peças de cada modelo e pagam o preço justo pela peça. Depois vendem t-shirts a duzentos e cinquenta euros, claro, que ninguém anda aqui a trabalhar para aquecer e as lojas em Paris, Londres e Nova Iorque têm rendas altas, certo? Depois os "scouts" de grupos como a Inditex fotografam a montra e mandam para a base onde dezenas de designers trabalham essa inspiração e três semanas ou quatro depois temos modelos "inspirados" nesse nas lojas da Zara à venda por 9,99 Euros. Por isso a Inditex não tem uma política de direitos humanos. Não tem. Por isso acontecem coisas como o que se descobriu no Brasil. Não me surpreendeu nada. A Inditex não é directamente responsável por situações daquelas, mas pode perfeitamente desligar-se de misérias destas, só que custa dinheiro e encarece as peças. Já li num blog que a autora preferia gastar cem euros em roupa na Zara do que cem euros numa boa refeição num restaurante. Eu aceito, são opções. Mas posso, claro, questioná-las. Eu prefiro gastar cem euros num par de calças de uma marca que sei que manda pessoas verificar a fábrica antes de colocar uma encomenda e só confirma a encomenda se a puta da fábrica tiver casas de banho como deve de ser, sim, a auditoria puxa o autoclismo e se o mesmo não funcionar conta como não conformidade, e se os recibos de vencimento dos funcionários estiverem de acordo com a lei em vigor nesse país, e se as horas extra forem pagas justamente, e se as entrevistas individuais feitas a funcionários escolhidos aleatoriamente forem satisfatórias, perguntam se se sentem bem, se são respeitados pelos superiores, se há assédio de qualquer espécie, e se os exercícios de incêndio estiverem em dia e devidamente documentados e certificados pela Corporação de Bombeiros, e se os extintores forem inspeccionados regularmente, e se as saídas de emergência estiverem bem assinaladas e desimpedidas. Pois, isto envolve investimentos por parte das fábricas que queiram trabalhar com estas marcas, e envolve contratar empresas que auditem estas fábricas, e isto, faz com que o preço da peça aumente. Mas isto também dignifica os trabalhadores, e por conseguinte valoriza uma marca. Eu prefiro gastar cem euros numa t-shirt, ou num par de calças produzida nestas condições do que gastar cem euros em seis, sete ou oito peças das outras, só que depois, claro, tenho pouca roupa que eu não sou rica, e não ando na moda, nem percebo nada de moda. Mas as pessoas não sabem e tal... é tão fácil saber, basta ir à internet investigar. Investiga-se tanta coisa, menos a roupa. Naa, a roupa é para usar, para brilhar, não é para pensar.

23.8.11

22.8.11

Golpes

Noutros tempos pararia e iria de imediato desinfectar e aplicar uma ligadura, iria fazer a coisa como deve de ser, dois dedos cortados não é nada de dramático mas também não é coisa que não mereça atenção. Mas não, estando a preparar um gelado de maracujá, com dois gajos atentíssimos a todas as operações necessárias, a cena é assim, ao abrir um maracujá com a faca de serrilha, a puta da faca salta e corta razoavelmente o indicador e o médio da mão esquerda, e o que se faz é abrir a torneira, passar os dedos por água, espremer um pouco para sair aquele sangue merdoso, aquele, o primeiro, e depois envolve-se a mão num pano de cozinha até o sangue estancar, e com cuidado para não arriscar umas gotinhas de sangue no gelado, continua-se o que se estava a fazer. Simples.

18.8.11

Liberdade

Diz-lhe que o queres só porque sim, que não precisas dele para nada, só gostas dele, ponto final. Diz-lhe que se deixe de merdas e decida o que quer da vida e depois falam, e que aceitarás a decisão, seja ela qual for. Diz-lhe que o queres por inteiro, que não há meias verdades nem hesitações, e que de outra forma estás fora. Diz-lhe que gostas dele, mas que exiges respeito, que nunca te menospreze. Diz-lhe que ele é livre de fazer o que bem entender, que nunca o obrigarás a nada e que só o aceitarás se ele vier de livre vontade e se vier a sério e completamente. Diz-lhe tudo isso e verás um homem feito perdido como uma criança.

17.8.11

A beleza

Ela era linda de morrer e todos à volta dela o confirmavam. Casou-se com um homem que nem acreditava no que lhe estava a acontecer. Só que ela não gostava de trabalhar e o marido não era rico e suportou enquanto pôde os dias, semanas, meses intermináveis em que ela passava os dias de pijama e robe, deitada no sofá a fumar e a ver televisão. Ocasionalmente chamava a miúda da vizinha para lhe fazer companhia. E os meses passaram e ela engravidou. Nasceu o rapaz e o caldo entornou, foram dois anos até ao divórcio. Entre namorados violentos, álcool e droga, o rapaz testemunhou tudo. Aos cinco anos saiu de casa e foi ao café telefonar à avó porque a mãe estava estendida no chão e não acordava. Ainda era bonita, e nova. Incendiou o apartamento um dia, estava nervosa, mas o filho já estava entregue ao pai. Prostituiu-se durante uns anos até que emigrou e viveu na Suíça com um italiano endinheirado, mas depois cansou-se. Voltou e agora trabalha num mini-mercado. Vi-lhe as fotografias no facebook porque o filho dela veio sentar-se no meu colo muitas vezes em pequeno, quando fugia ao pai e à tia depois de uma qualquer asneira. Eu lembrava-me das tardes que passei a jogar às cartas com a mãe e dava-lhe mimo. Dei-lhe muito mimo, e ontem estive a ver as fotografias da bebé dele e deparei-me também com as fotografias da mãe. Gasta, acabada. Tem pouco mais de cinquenta anos mas o olhar parece que carrega duzentos.

16.8.11

Baralha, parte e dá

Como cartas misturadas numa mesa redonda sem fim,
Tenho as ideias todas misturadas assim
Ouros, copas, espadas e paus
Todos juntos sinto-os maus
Começo, separo, ordeno
Não consigo, desespero
Baralho, parto e dou
Sem decidir contudo se vou.













14.8.11

Ninho

Há uma festa para ir, mas cheguei hoje a casa e abri as janelas. Há uma festa para ir, mas cheguei hoje a casa e desfiz as malas, tirei a roupa e pu-la a lavar. Acendi velas de cheiro e guardei os sapatos. Há uma festa para ir, mas tomei um duche e deitei-me na minha cama  que cheira a lavado e me abraçou. Há uma festa para ir, mas tenho tantas saudades da minha casa e haverá festa na mesma sem mim.

28.7.11

Os meus, os teus e os nossos

Há muitos anos a minha mãe contava a história se que um senhor que enviuvou novo com vários filhos pequenos, se casou outra vez e com a nova mulher teve também vários filhos. A nova mulher, por sua vez, também viúva, também já tinha filhos, e depois por piada diziam dos filhos, os meus, os teus e os nossos. Ontem à noite tive cá em casa a jantar além dos meus filhos, os filhos da namorada do pai, um rapaz da idade do meu pequeno e uma rapariga da idade do meu grande, e também um par de gémeas que são filhas dum casal amigo que fui buscar à hora do almoço e que vão cá ficar em casa até à próxima segunda-feira. Estou de férias e esta semana é dedicada aos putos. Com as seis crianças sentadas à mesa, regaladas com a minha lasanha, não pude deixar de me lembrar da história dos meus, os teus e os nossos, não só por serem muitas crianças mas também pela mistura. O meu ex-marido, também padrinho da gémea veio cá com a namorada trazer os filhos dela e também veio ver a miúda. Depois de jantar, os rapazes lá fora no jardim e no pátio com as pistolas de água e as bolas, e nós as gajas, nos vernizes e nas maquilhagens. Elas falavam de miúdos cantores que saem na revista Bravo e perguntavam-me qual é que eu achava o mais giro. Tive os miúdos cá quase até à meia noite, eu tinha dito aos grandes para namorarem à vontade, que não tivessem pressa de os vir buscar. Definitivamente, um programa a repetir.

22.7.11

Done

Está feito e se não consigo uma nota superior a um valor que eu cá sei, até me chicoteio. Aquilo foi escandalosamente fácil, não entendo como é que se pretende que a malta saia do secundário a falar  inglês com exames com este nível de exigência. Devo ter percebido tudo mal, eu, claro. Dia 7 de Agosto veremos, depois falamos.

20.7.11

Turning point

Não sei explicar muito bem mas sinto que estou perto de um qualquer acontecimento que vai mudar o rumo da minha vida. A expectativa de ingressar na universidade fez nascer em mim algo de novo e excitante mas muito abstracto. O exame de Inglês é já esta sexta-feira e começa uma nova fase, depois a candidatura e o nervosismo da espera. Estou convencida que vou entrar, mentiria se dissesse que estou insegura. Sinto que a minha vida vai mudar, a todos os níveis. Não sei porquê, mas sinto.

18.7.11

Hoje é o aniversário dele e tenho um nó na garganta porque apetece-me muito agarrar no telemóvel e mandar um "parabéns" mas depois penso que poderá ser interpretado como uma tentativa de aproximação. Dói-me imaginar que ele possa pensar que nem sequer me lembrei, por não me ter manifestado, mas depois penso que pior será o resultado de uma acção decorrente da tentativa de minimizar esta dor. Sinto, dói-me, desfaço-me em dúvidas e hesitações mas depois penso, penso, penso. Apetecia-me tanto abraçar o meu amor hoje, é o seu aniversário, mas depois... depois, penso.








...







E choro.

14.7.11

Amor

Depois de tirar a foto não resisti e meti-me lá no meio deles. Estão a dormir como anjos.

13.7.11

Jealousy

Desde ontem que tenho estado a trabalhar com um casal israelita, ambos com quarenta anos e muito cool. Contaram-me que têm dois filhos pequenos e que ele, advogado, deixou uma empresa financeira internacional em Tel-Aviv para se juntar à mulher, designer, que batalha há quinze anos para fazer vingar a marca que iniciou e da qual sempre se ocupou sozinha. Desde que ele se dedicou ao negócio já abriram uma loja e distribuem em quarenta outras lojas. Estão entusiasmados e decidiram deslocar a produção para Portugal para poderem dedicar-se mais à distribuição e promoção da marca. É um conceito engraçado, destinado a mulheres adultas, entre os trinta e os cinquenta anos, que foge ao clássico mas também não é rock & roll. Acho que vai correr bem. Estão deliciados por não terem mais de comprar as matérias-primas e de ter todas as dores de cabeça até às peças estarem dobradinhas nas prateleiras das lojas. Acabamos hoje, antes do previsto e estivemos à conversa, descontraídos. Ela confessou-me que quando vai às lojas das marcas que mais gosta em Paris sente inveja. Demonstrei-lhe admiração, ela continuou, I am a jealous person, when I go to the Zadig & Voltaire store in Paris I am jealous, I think who needs me? What am I doing? I feel jealousy, it's true. Wait, disse-lhe eu, the fact that you aknowledge that and deal with it is a very good thing, it requires a strong personality and shows that you are very self aware. Yeah, yeah, I know that, I can say that peacefully now that I am forty, when I was twenty I could not say this, but the truth is that this jealousy I sometimes feel makes me really sad. Calei-me. Mudei de assunto. Senti-me pequenina.

7.7.11

Força

Sinto o meu amor a fugir-me, a partir sorrateiramente e não sei se sou eu que que não sou assim tão fraca ou se é ele que não é assim tão forte.

5.7.11

Medo

Doem-me as pernas, a direita mais do que a esquerda, uma veia perto do pé que é mais grossa e saliente está particularmente sensível. Fui buscar as meias elásticas ao fundo da gaveta e aliviei a dor, mas não o medo.

4.7.11

Anda ver

Um a puxar-me por cada mão, anda ver mãe, ali ao pé do mar, anda ver o que fizemos para ti:

Tanta coisa

Há tristeza, há saudade, há vazio. Há leveza, há esperança, há alívio. Há disto tudo um pouco, misturado com uma sensação de recomeço. Há uma força nova a despontar, mas há sossego, há paz. Há horizonte, há mar, há terra e há céu. Há, sobretudo, tudo, outra vez.

30.6.11

Hoje é o primeiro dia

Do resto da minha vida.

26.6.11

Ditados

O peixe morre pela boca.
O homem morre pelo ego.

22.6.11

Podre

Ontem um amigo fez-me pensar no motivo do meu desconforto relativamente aos acontecimentos recentes e à consequente análise que se me afigurava difícil. Há sensivelmente um ano eu quebrei e a seguir apodreci. Tenho vivido estes tempos com um profundo desgosto dentro de mim e fechei-me ao mundo e aos homens. Antes era a predadora e marcava os alvos mas este tempo todo, propositadamente, escondi-me no conforto da invisibilidade. É-me infinitamente mais fácil recolher-me dentro de mim própria do que enfrentar o mundo, porque quando olho para fora vejo-me, o que invariavelmente me dói. Agora, de repente senti-me a presa, e ao invés do jogo do ataque, encontro-me a jogar à defesa. Fui apanhada de surpresa. Não consigo perceber se é bom ou mau sinal, se o amor que me destrói está a abandonar-me e eu estou, sem sequer o ter percebido a expor-me de novo à vida como um rebento num tronco seco, ou se estou a expor o flanco à dentada que me vai, finalmente, matar.

18.6.11

Como começar um boato

Esta manhã fui às compras com o meu pai. Fomos ao super mercado e enquanto esperávamos que nos servissem o peixe dei com os olhos numa antiga cliente da minha mãe, mas que desistiu há uns tempos de lá ir arranjar o cabelo. Cumprimentei a senhora e mantive-me sossegada. Ao meu lado, o meu pai não a tinha visto e quando finalmente a mulher se lhe dirigou, pediu desculpa e disse muito espantada que não o tinha reconhecido, que me viu mas que pensou que o homem ali ao meu lado era o meu namor... o meu marido, corrigiu. Olhamos um para o outro e apeteceu-nos rir. Depois, adivinhamos o pensamento um do outro. Assim se começa uma história do arco da velha, a mulher era muito bem capaz de comentar com a vizinha que me viu no super mercado com o namorado. E assim poderia facilmente iniciar um boato, muito naturalmente, sem qualquer malícia. Olha, tem namorado, estavam os dois no super mercado no sábado de manhã. Assim, fácil.

15.6.11

Morte

Sonhei comigo grávida em fim de tempo com violentas contracções, desfeita em água e com a criança quase a nascer, gritava à minha mãe que tinha de ir para o hospital e ela, calma, dizia-me que não, que havia tempo. Sonhei que o tempo passou, as contracções passaram, a água secou e a criança não nascia. Não existia o pai da criança e nem era coisa que me preocupasse, preocupava-me a criança que não nascia e os dias que passavam, um, dois, três. Depois acordei e tive medo de adormecer de novo. Não dormi mais, tive medo de parir um filho morto.

14.6.11

Distância

Tenho saudades de gostar disto, tenho saudades de gostar de tanta coisa, tens saudades minhas, perguntou-me, tenho saudades de me entusiasmar contigo, respondi-lhe. Estou cada vez mais longe de mim.

13.6.11

Vi este filme ontem à noite.




E este filme derrubou-me.

8.6.11

Faz-me sentir

É por isso uma mulher perdoa. É por isso que uma mulher esquece. É por isso que uma mulher fica. Porque o seu homem a faz sentir a melhor do mundo, a faz sentir a única no mundo. Esse homem sabe que ainda que seja só por breves instantes, ainda se dure só o tempo de um olhar, ainda que antes lhe tenha partido as trombas e o sangue ainda corra, ainda que antes lhe tenha partido o coração com insultos, ele sabe que basta mostrar uma nesga de arrependimento e dizer um amo-te com voz sentida, e nesse segundo ela perdoa, ela esquece, ela fica. Enquanto uma mulher só precisar de se sentir amada, ainda que seja mentira, ainda que as palavras doam mais que murros, ainda que seja só por uns breves minutos, basta-lhe. Somos tão fáceis, para nós o amor nem sequer é preciso que seja verdade.

6.6.11

Diminuir

Se a mulher que eu era há um ano atrás e a mulher que sou hoje se encontrassem e se sentassem calmamente para tentar conversar teriam bastante dificuldade em encontrar pontos em comum, naquilo que interessa pelo menos, que é o carácter. Nunca poderiam ser amigas, acho até que dando-lhes tempo suficiente, iriam acabar por detestar-se.

Stand here and wait

3.6.11

Semana # 6

8:00h - 65,7 Kg

(esta merda é um bocado ridícula não é?)

31.5.11

Relativizar

Lembro-me de sentir isto quando percebi que o meu ex-marido me mandou seguir e mandou colocar um dispositivo de localização no meu carro, quando acreditava que eu tinha um amante e queria ter provas para mostrar a toda a gente para justificar a nossa separação. Lembro-me de me sentir assim, roubada, pilhada. A mesma frustração, a mesma raiva, a mesma sensação de perda, e acima de tudo a mesma impotência. Esta fim-de-semana assaltaram o carro do meu irmão e levaram a minha bolsa. A bolsa não valia um cu, mas dentro tinha a minha vida. Além de todas as minhas chaves, de casa e do meu carro, que tive de substituir mais os respectivos canhões, dentro da bolsa estava a minha carteira com os documentos excepto o cartão multibanco e o cartão de cidadão, ou cartão único ou lá como é que se chama, e o telemóvel, que tinha comigo. Mas a carteira constitui a minha vingança. Os filhos da puta dos ladrões não levaram um chavo. Nem tusto. Tive de cancelar o cartão de crédito e os cheques, é verdade, mas nem uma moedinha tinha. Mas a verdade é que preferia que me tivessem roubado uma porrada de euros do que o que efectivamente me roubaram. O sentimento não seria este, seria diferente. O dinheiro que se foda, a minha vida toda nas mãos de um estranho é que me incomoda mesmo muito. Mas, como me disse alguém chegado, quando me queixei que tinha uma puta duma sorte do caralho, vai à merda pá, os documentos e as chaves são todos substituíveis. Pensa que podias ter tido um acidente e a esta hora estar toda fodida numa cama de hospital, isso é que era, vai à merda pá, põe-te fina mas é.

E é.

27.5.11

Semana # 5

8:00h - 66,0 Kgs

26.5.11

Little black dress

Um vestido preto básico transmite poder, verdade? E esta mão na anca, o que diz? Lembro-me de um livro que li ainda adolescente em cuja capa se via uma mulher, num vestido preto curto, na rua, mais precisamente no passeio, que se prostituia. As duas mãos nas ancas, as pernas colocadas mais ou menos como nesta fotografia, e o olhar era triste, muito triste. Nunca mais esqueci essa imagem, a mim dizia-me, estou aqui, para quem me quiser, estou pronta para tudo, aguento com tudo, venham, não me importo, eu aguento. A mulher do livro vendia sexo, mas a linguagem corporal é universal, e tirando-se-lhe o olhar triste, esta postura vende praticamente tudo.







25.5.11

Old fashioned

O senhor que me cumprimenta todos os dias no parque de estacionamento ao pé do escritório onde deixo o carro é muito simpático. Todos os dias, às vezes várias vezes por dia, me cumprimenta com um bom dia, ou boa tarde, minha senhora como está? Se estiver sentado levanta-se ao dizer isto através do vidro, automaticamente, instintivamente, e inclina a cabeça numa vénia quase imperceptível. Quando está cá por fora, a jardinar nos canteiros, pára o que está a fazer e vira-se na minha direcção para me saudar como deve de ser. Hoje, quando regressei do almoço e passei por ele, já a pé, em direcção ao escritório, ao dizer a boa tarde minha senhora, como está? levou a mão à boina que trazia e fez o gesto que implica a intenção de, sem de facto a levantar. Acho este homem tão maravilhoso. Ele faz mais por mim do que alguém, algum dia, jamais, possa sonhar. Eu aceito-lhe o cumprimento, retribuo-lho e sorrio-lhe. Sempre. E sem que ele desconfie, de todas as vezes, agradeço-lhe. Gosto de pensar que o cumprimento deste homem surte o mesmo efeito em todas as pessoas que ele cumprimenta, porque se assim não for é um enorme desperdício.

24.5.11

Punhalada

Devo, antes de mais, revelar aqui uma confissão da minha mãe, que não me influenciou nem influencia em nada, mas que aceito pois sei que é sincera e dolorosa. Minha filha, eu sei que és nova e que tens a vida para viver, mas se tu arranjares outro homem eu vou ficar muito triste. E é isto, a minha mãe não me imagina com outro homem, apesar de ter perfeita consciência que é provável que um dia, e mesmo que eu lhe diga que não se preocupe, venha a ter este desgosto. Acontece que, este fim-de-semana, pela primeira vez desde que me separei, tentaram fazer-me um arranjinho. Só me apetece rir, de cada vez que penso dá-me vontade de rir. Pois muito bem, a excursão ao Jamor incluiu a madrinha do meu filho mais velho, minha amiga de infância, os pais dela (a mãe dela é amiga de infância da minha mãe, e isto é o mais delicioso da cena toda), os tios e os primos, e um amigo deles. Também vai um amigo nosso, que é enfermeiro aqui no hospital, muito boa pessoa, impecável, divorciado, tem dois filhos, dois rapazes, é muito nosso amigo, disse-me a T. (a amiga da minha mãe) muito naturalmente. Desconfiei, admito. Ontem, lá no meio da confusão, agarrei a minha amiga pelo braço e perguntei-lhe, tenho a impressão que a tua mãe está a tentar impingir-me o enfermeiro, estou enganada? Fartamo-nos de rir, está mesmo, respondeu, ainda ontem à noite me disse, o F. é que estava bom para ela, não estava? E às gargalhadas disse-lhe, ai se a minha mãe sabe desta merda... já pensaste? A minha mãe, se descobre, mata a tua.

23.5.11

Alien

Não esquecer que eu não percebo rigorosamente nada de futebol, nunca me interessou e continua a não me interessar, não sei ver se foi fora de jogo, se foi falta, não sei nada, mesmo nada. Então fui, com este espírito descontraído, levar os meus filhos ao Jamor. Fomos de autocarro, levamos o farnel, fizemos o piquenique, tudo, a cena toda. Gostei, houve pormenores que dispensava, mas no geral gostei. Os rapazes entusiasmadíssimos, e só isto, valeu tudo, o calor, o carregar os sacos, o pó, os doentinhos da bola já alcoolizados horas antes do jogo. A parte mais bonita foi sem sombra de dúvida aquelas duas horas, já dentro do estádio, a torrar ao Sol mas isso é só um detalhe, a gritar, a fazer a onda, a cantar, Disso gostei muito. Depois do jogo começar é que já podia ter vindo embora que tinha ganho mais. O jogo, passou-me como era de esperar completamente ao lado, vi aquilo como se estivesse numa esplanada a ver as pessos a passar à minha frente, com a naturalidade de quem bebe um sumo de laranja enquanto espera pela torrada, agora os insultos, os pontapés nas cadeiras, os gritos, enfim, pessoas que se transformam em potenciais serial killers, pessoas que libertam tanta raiva que metem medo. Eu tive medo. Depois houve outras pessoas que se foram embora antes do  jogo acabar. Não gostei nada dessa parte. Porque é que se vão embora antes do fim? Foram de tão longe e não ficam até ao final? Que raio de adeptos são estes? Cantam hinos de amor ao clube e quando o clube está a perder não ficam para ver o fim do jogo? Desistem simplesmente e abandonam os jogadores? Eu, se fosse jogador não queria estes adeptos. Mas eu não percebo nada de futebol.

21.5.11

Aparências

O dia está cinzento, eu também. O ar está húmido, pegajoso, eu também. Os rapazes foram à piscina, estou sozinha em casa e olho lá para fora e penso que não me apetece sair. Vou tomar um duche, secar o cabelo e maquilhar-me. Poderá parecer exagerado para uma ida ao supermercado mas não é mais do que uma miserável tentativa para esconder o cinzento que há dentro de mim. Quanto mais escuro o cinzento melhor me arranjo, para disfarçar, para despistar. Será que alguém percebe que quanto mais despojada de adereços, quando mais limpa a pele, quanto mais transparente estiver por fora, melhor me sinto por dentro? Será que as mulheres que vejo todas aperaltadas sentem o negro por dentro? Será que quanto mais alto for o salto mais baixo o espírito? Será que quanto mais bonita a roupa mais apertado o coração? Penso nelas e pergunto-me, de todas as bem cuidadas por fora quantas se sentirão realmente bem consigo próprias? E das outras, das que passam despercebidas, quantas se sentirão felizes?

20.5.11

Semana # 4

8:00h - 66,3 Kgs

18.5.11

Olhares

Quando entrava no carro depois de almoçar reparei que ao invés de um estavam dois tipos a olhar para mim. Há um que todos os dias me segue com o olhar, quando estaciono mais lá atrás ele regala-se, acompanha-me desde o carro até aos degraus, onde viro e desço, em direcção a casa dos meus pais. O rapaz deve ter vinte e alguns anos, e todos os dias está no café, cá fora, à mesma hora. Está lá quando chego e está lá quando vou embora. Olha-me e nem sequer disfarça, todos os dias, faça chuva ou faça Sol. Atingi aquela idade em que as mulheres atraem os rapazes mais novos. Hoje eram dois. O segundo é um puto que conheço há anos, via-o na bicicleta às voltas por lá. Cresceu, mas não deve ter sequer vinte anos. Hoje olhavam-me os dois, sem disfarçar, estavam sentados num degrau da casa em frente ao café e quando subi os degraus reparei que depois de me verem trocaram umas palavras e riram-se. Estou naquela idade em que as mulheres atraem os rapazes mais novos, ou então atraem os homens mais velhos. É normal. Aos mais novos cheira-lhes a sexo fácil, as miúdas da idade deles ainda têm dúvidas e dão-lhes trabalho. Sentem-se atraídos pela experiência que uma mulher mais velha lhes pode proporcionar. Aos mais velhos cheira-lhes a juventude e a frescura, mas ainda assim com alguma maturidade, já não têm pachorra para meninas de vinte, acham-nas parvas. É a meia idade das mulheres, aquela que atrai os dois extremos do espectro. Os do meio foram os que por qualquer motivo não quisemos, os mais novos e os mais velhos estão ali, à espreita, nós sabemos, e deixamos.

17.5.11

Saudades

Este fim-de-semana fui à praia, foi o primeiro Sol no corpo, este ano. Custou-me tanto não fumar.

Aperto

Estão grandes, pois estão?


Semana # 3

8:00h - 65,8 Kgs

(data real: 06.05.2011, mas o blogger não deixou)

16.5.11

Man count

Pergunto-me se chocaria as pessoas se contasse com quantos homens já dormi, perdão, com quantos homens já fodi. Pergunto-me se achariam mais aceitável se todos eles tivessem sido meus namorados. Será que é menos grave uma mulher já ter fodido com vários homens com quem namorou ou não tendo desenvolvido qualquer relação com eles? É que namorado, não tive nenhum. A partir de quantos é que uma mulher passa a ser uma devassa? Acontece-me ter de puxar pela cabeça para enumerar os homens com quem fodi. Não porque tivessem sido muitos, mas porque não significaram nada, além de sexo. Mas já agora, quantos é que são muitos? Quem é que define esse número? Serei uma devassa aos olhos de muitos, é-me fácil foder com homens que não pretendo conhecer profundamente, não preciso sequer de os conhecer profundamente, é-me fácil dar a conhecer o meu corpo. A minha alma, no entanto, está guardada a sete chaves, nunca nenhum deles a viu.

12.5.11

Generalizações

Custa-me encaixar que os homens são todos iguais, mas o facto é que tudo indica que sim. Os homens não são todos iguais em tudo, mas há determinadas características que definitivamente apontam para a ausência de excepções. Ora, em não as havendo, passo, muito obrigada.

11.5.11

Ossos

A respeito das dietas e do peso ideal para a altura digo desde já que não pretendo nem nunca pretendi ser agora manequim, era o que me faltava. Dizem-me que o peso deve ser igual ao número de centímetros da altura, menos dez. Assim sendo, o meu peso ideal deveria ser 52 Kgs. Credo! Eu, com 52 Kgs, primeiro em vez de mamas teria peles dependuradas, depois os ossos das ancas ficavam que nem duas pistolas, espetados para fora, e os ombros, nem quero pensar nos ombros, ia parecer directamente saídinha de um vídeo da Lady Gaga com um daqueles casacos com as ombreiras tipo cadeirão de orelhas, mas sem precisar de ombreiras, mas tudo isto, sem conseguir entrar um tamanho 36, ah pois (tenho para mim que nem o meu esqueleto limpinho, sem vestígio de carne, caberia num tamanho 36). Para não falar da cara, que ia meter medo aos mortos. Eu, assim devagarinho, se conseguir chegar a pesar 60 Kgs (que era o que eu pesava há um ano e meio atrás) fico toda contente, mas mesmo toda contente.

10.5.11

São melros

Já nasceram. Quatro.



Don't dream it's over

Há dias em que o sonho me abandona e na rua, vejo-me nos olhares vazios e ausentes. Olho as pessoas que passam e vejo-me nelas, passam apenas, na rua e na vida. Há dias em que penso que ultrapassei a minha cota, que já não me é permitido mais e resta-me ficar a ver a vida, amar e educar os meus filhos o melhor que sei e posso e agarrar umas pontas de qualquer coisa aqui e ali. Há dias em que o sonho me abandona, foge-me a sete pés e deixa-me assim, oca.

6.5.11

Provas

Correu-me lindamente, mãe. Respondi a tudo e a minha composição foi de vinte e sete linhas (não sei se concordo com esta norma de estabelecer limites de linhas nas composições, mas isso são outros quinhentos), e sabia as respostas todas. De certezinha absoluta que eu estava muito mais ansiosa do que ele, que acordou muito bem disposto e se despediu de mim com um sorriso de orelha a orelha à porta da escola. Vim para o escritório e a meio da manhã liguei à minha mãe, ele que me telefone imediatamente quando chegar, quero saber como lhe correu a prova, estudou tanto. Ufa! Agora siga a rusga que na próxima semana há prova de Matemática, o fim-de-semana não vai ser propriamente de brincadeira.

Semana # 2

8:00h - 66,1 kgs

4.5.11

Surpresa

És a amante perfeita, não esperas, não exiges, não reclamas. Estás disponível, és leal e verdadeira. Aguardas secretamente pelo momento em que te desiludes e consegues finalmente acabar com tudo. Sabes perfeitamente que tens de o fazer só que não és capaz. Não acalentas falsas esperanças, mas sabes bem o que queres. Um belo dia ouves uma frase que te destrói. Essa frase retirada do contexto poderia ser a tua fagulha de esperança, a tua arma secreta, a tua luz ao fundo do túnel. Essa frase no contexto é a desgraça, é a clareza, é a ruína. Tudo o que foi, sempre soubeste que era para nada. Mas ser para nada é diferente de ser por nada. O que percebeste depois é que foi por nada. Por nada. E apesar de não ter sido intencional, foi deveras surpreendente.

3.5.11

A convocatória da Provocação

1. Existe um livro que lerias e relerias várias vezes?
Sim, "Dona Flor e os seus dois maridos", de Jorge Amado, tão divertido.

2. Existe algum livro que começaste a ler, paraste, recomeçaste, tentaste e tentaste e nunca conseguiste ler até ao fim?
Sim, "Os Maias" de Eça de Queiroz, nunca consegui ir até ao fim e asseguro que tentei muitas vezes. Pode ser que ainda tente outra vez.

3. Se escolhesses um livro para ler para o resto da tua vida, qual seria ele?
"O amante" de Marguerite Duras, li-o a primeira vez com dezasseis ou dezassete anos. Marcou-me profundamente.

4. Que livro gostarias de ter lido mas que, por algum motivo, nunca leste?
Não escolho livro mas autor, nunca li nada de Saramago, mas gostava de ler só para poder ter opinião. Também nunca li o "Vinhas da Ira" mas esse não escapará. Há o "Libertação" de Sandor Maraí que ainda não li porque ainda não foi publicado em Portugal. Estou à espera.

5. Que livro leste cuja 'cena final' jamais conseguiste esquecer?
Tenho muita dificuldade em lembrar-me do final dos livros. Ou são finais felizes ou finais para nos fazerem pensar em continuar a história. Para mim o prazer do livro e da história está no decorrer da leitura, no identificar-me com os acontecimentos ou não, ou até no fazer-me reflectir sobre como reagiria eu a uma situação idêntica à que estou a ler. O fim não é importante.

6. Tinhas o hábito de ler quando eras criança? Se lias, qual era o tipo de leitura?
Quando era miúda devorei tudo da Condessa de Ségur, gentileza do meu pai, sócio do Circulo de Leitores. Depois fui lendo Camilo, e as obras obrigatórias do secundário (excepto os Maias) mas o que eu gramava mesmo eram policiais e de espionagem, John le Carré, John Grisham, Patricia Highsmith e outros que tais.

7. Qual o livro que achaste chato mas ainda assim leste até ao fim? Porquê?
"O Alquimista" de Paulo Coelho, só fiz questão de ir mesmo até ao fim para poder dizer mal. Não vi ali nada, nadinha. Sem propósito algum.

8. Indica alguns dos teus livros preferidos.
Só alguns mesmo e o significado que lhes encontrei ou o que me divertiu
- Rosa Brava de José Manuel Saraiva - romance histórico baseado na história de Leonor Teles, as intrigas da côrte, adoro cenas históricas
- O nome da Rosa de Umberto Ecco - romance histórico, a fé e a igreja, a maldade dos homens praticada em nome de Deus, mais uma vez, gosto muito de romances históricos
- O Fio da Navalha de Somerset Maugham - crónica de costumes, a sociedade e o que ela espera de nós, a integridade do indivíduo
- As velas ardem até ao fim de Sandor Maraí - a natureza humana, a amizade, a traição, a lealdade
- 1984 de George Orwell - a natureza humana, a repressão do espírito, a resistência da alma
- O talentoso Mr. Ripley de Patricia Highsmith - policial que nos vira a cabeça e nos faz apaixonar pelo criminoso, delicioso.
- O amante de Marguerite Duras - a descoberta dos prazeres carnais, a história de amor proibida que passa a ser aceitável aos olhos da família a partir do momento em que há contrapartidas financeiras, o amor que passa despercebido na juventude mas que dura uma vida inteira.

9. Que livro estás a ler neste momento?
Neste momento nenhum, mas a meio estão o "A mulher certa" de Sandor Maraí e "O gato Malhado e a andorinha Sinhá" de Jorge Amado (que comprei para o meu filho mais novo) e estão a postos o "Servidão humana" de Somerset Maugham e "Filhos e amantes" de D. H. Laurence.

(Provocação, não convoco doze pessoas para o questionário porque não sei se por aqui andam assim tantas...)

Algazarra

No dia de Páscoa, a seguir ao almoço ouvi uma grande algazarra, eram as vozes dos meus filhos e lá no meio ouvia a minha mãe também. Mas, ao invés da minha mãe os estar a mandar calar como é costume, a voz dela pareceu-me tanto ou mais excitada do que as deles. Da janela do quarto do mais novo, sim em casa dos meus pais tanto eu como eles temos quarto, pelo meio das folhas do limoeiro, via-se isto:


Este ninho magnífico lá estava, escondidinho. Diz a minha mãe que agora, onde se vêm dois ovos, estão quatro. Foi uma festa, como é bom de ver. Hoje, há bocadinho, quando lá cheguei para almoçar, deparo-me com isto em cima da mesa das traseiras:



Duas cobras, metidas num frasco que a minha mãe encontrou no quintal e imediatamente chamou o meu pai para as apanhar. São para os rapazes, disseram-me os dois, todos contentes. Quando os moços chegarem da escola vai ser o fim da macacada.

2.5.11

Sacrifício

Esta que vos escreve sente uma profunda repulsa por futebol e derivados. Esta que vos escreve entrou uma vez na vida num estádio de futebol e assistiu a um jogo de uma competição europeia e jurou que nunca mais. Esta que vos escreve é mãe de dois rapazes, um com sete anos e o outro com onze anos. Esta que vos escreve não tem outro remédio senão aceitar que os dois rapazes vibram com futebol e obviamente que estão ambos histéricos porque a equipa cá da terra passou à final, pela primeira vez na história do clube. Esta que vos escreve pediu ontem a alguém que lhes compre bilhetes, a ela e aos dois rapazes, para irem ver a final da taça de Portugal ao Jamor.

29.4.11

Semana # 1

8:00h - 66,7 Kgs

27.4.11

Fome

Como esta merda não ata nem desata e os quilos ainda cá estão agarrados ao rabo e às coxas tenho de tomar medidas drásticas. Ontem fui ao médico e fartei-me de rir. Balança... ai. Até doeu. Assim bem, bem eram dez a menos, mas ficavam a ver-se muito os ossos de maneiras que são só sete. Sete têm de ir abaixo. E não é a cena do ai que está aí o Verão e ai a linha e ai o caralhinho mais velho. Não é nada disso. Não entro na roupa que tenho e não vou comprar roupa nova que não tenho paciência nem gosto da puta  da saga do entra, escolhe, despe, veste, despe, veste, sai, e entra de novo. Não gosto. Pelo menos esta sequência associada a roupa não gosto. Já o entra e sai e o despe, etc. mas noutra linha de raciocínio, não me importo mesmo nada, muito pelo contrário. Adiante. Estava portanto a conversar com o senhor doutor e a queixar-me que é mais forte do que eu e que tenho imensa fome desde que deixei de fumar quando o homem olha para mim, muito sério e me diz, mas menina, a fome não engorda. Explodi a rir. Evidentemente. Mas prometeu-me que me ajuda a controlar a fome. É que se isto continua assim, vindo o calor a sério vou ter de andar nua, é que não me safo, ainda se estivesse mais magra, era naquela, agora nua e gorda, não me dá mesmo jeitinho nenhum.

26.4.11

Só faltas tu

No carro:

Grande: Sabes mãe, estou à procura de garina.
Eu: Como? (o gajo tem onze anos)
Grande: Sim, à procura de namorada.
Eu: Mas... namorada? Mas para quê?
Grande: Daaaahaaa! Para quê... Para fazer coisas de namorados, ora. O que é que os namorados fazem?

...

Pequeno: Sabes mãe, não percebo, na minha sala todas as raparigas gostam de mim.
Eu: Todas? Mesmo todas? (este tem sete)
Pequeno: Sim, todas, elas dizem que eu sou o mais bonito da sala.
Eu: E tu? Gostas de alguma?
Pequeno: Gosto da Mariana, e ela gosta de mim.

...

Grande: Vês mãe? Só faltas tu.
Pequeno: É, só faltas tu.

21.4.11

Não

Angústia. O peito apertado e o inevitável nó na garganta. E achavas que estavas a chegar ao fim? Tola.

20.4.11

Melga

Pensei que dizer claramente a alguém que não se vê qualquer propósito em continuar em contacto devido às diferenças de personalidade, postura e objectivos seria suficiente para efectivamente acabar com o contacto. Depois pensei que uma despedida por escrito fosse esclarecedor que não se pretende continuar a falar. Depois achei que um adeus, vai à tua vida, assim, a frio, chegasse mas também não. Nem deixar de responder foi suficiente, passados dois dias pergunta porque é que não respondo às mensagens e eu, pasmada, voltei ao início, não vejo qualquer propósito. Não, ainda não foi desta, acho que devias pensar melhor e dar outra oportunidade, mas já dei não vês? e não funciona, não percas tempo comigo, tenho pena que penses assim, não tenhas, adeus. Pois. Não, também não. Acabou de chegar, é hoje que vamos estar juntos? beijinho. Hein? Como? Este camelo, de verdade, ainda está convencido que me vai comer? Não posso. A sério. Não posso com gajos burros.

18.4.11

Primeira vez

O meu date de sábado à noite foi verdadeiramente inédito. O tipo melhorou bastante com a idade, conheci-o há vinte e quatro anos atrás, andávamos no ciclo, quero dizer, no quinto ano de escolaridade. Conversamos obviamente sobre aqueles anos de escola, dos colegas com quem se manteve contacto e dos que nunca mais vimos. Falamos também da vida, dos nossos percursos, das relações falhadas, sim , ele também, e dos filhos claro. E fui percebendo o real interesse dele em mim. Nada mais nada menos do que os meus contactos profissionais, trabalho numa empresa com ramificações a nível mundial, com escritórios nos quatro continentes e com infinitas possibilidades para ele, que está a desenvolver um produto e pretende colocá-lo no mercado. Ah pois é! Agora, ainda não decidi se o obrigo a prostituir-se em troca da minha influência. E esta ideia diverte-me tanto...

15.4.11

Homens simples

Os homens que admiro são sempre homens simples. Ao fim destes anos todos chego a esta conclusão sem me importar minimamente com o que esta constatação diz de mim. Consigo enumerar vários exemplos, um é o Berto Gordo de quem já falei, outro é o Eduardo, o marido da minha prima, um tipo que pouco estudou e que começou a trabalhar adolescente numa tecelagem no turno da noite. Durante o dia tinha outro emprego, entregava produtos químicos a várias empresas, andava a tarde toda na carrinha às voltas. Mais tarde, já casado, a tecelagem fechou e a mulher, secretária de direcção (licenciada, tenho de o dizer) num dos hipermercados daqui da terra, arranjou-lhe emprego no talho do tal hipermercado. No outro dia atendeu-me, e fiquei maravilhada com ele. Sempre foi simpático e meigo, mas atendeu-me com tal desenvoltura e confiança que me espantou. Fiquei por perto a vigiar como é que ele atendia as outras pessoas, sim que eu sou prima dele, e a mesma coisa. Um tipo que nunca antes tinha cortado carnes na vida aprendeu a fatiar bifes, a desossar perus e a golpear cabritos com um empenho e brio que me fizeram acreditar ainda mais nesta ideia  que tenho mas que às vezes se esconde nas teias do esquecimento, que um homem, quando quer aprende qualquer ofício e consegue ser bom naquilo que faz, seja lá o que isso for. E se esse homem tiver grandeza de espírito para se agarrar a cortar carnes (ou a cortar madeira, ou a varrer o chão) sem qualquer preconceito, e se for simpático e agradável, torna-se num profissional de primeira. Não me admiraria ver a fotografia dele ao lado do anúncio do funcionário do mês. Há anos atrás toda a gente estranhou a escolha da minha prima, uma rapariga licenciada casar-se com um simplório daqueles? Ela é que a sabe toda, além do físico que ele não é feio, longe disso, ela viu-lhe a meiguice, a simpatia e acima de tudo, viu-lhe o carácter. Fez ela muito bem.

12.4.11

Cristal

Não bebo vinho todos os dias mas quando me apetece uso os copos de cristal. Herdei-os da minha tia, são magníficos, com uns desenhos gravados, são copos antigos. A minha tia tinha um enxoval cheio de coisas boas, copos de cristal, serviços de chá e de café em porcelana chinesa verdadeira, daquela que tem um selo no fundo das chávenas, um desenho em relevo que só se vê quando se vira o fundo para a luz, toalhas e lençóis de renda e linho, mas a desgraçada nunca usou nada. Viveu sempre na expectativa de vir a ter a sua casa quando saísse da casa dos senhores em Lisboa. Juntou coisas a vida toda, comprou, comprou, comprou, e depois quando os senhores morreram já estava velha demais para ter casa e viver sozinha. Escolheu uma pequena parte de tudo o que tinha e foi para a Ordem de S. Francisco. Deu-me a escolher entre aquilo tudo o que lhe sobrou e eu escolhi os copos de cristal, três toalhas de linho e um serviço de café chinês, azul e branco. Mas decidi não guardar nada, uso tudo, não quero chegar a velha e tudo o que tenho ser novo. Decidi também nessa altura que ia usar os melhores lençóis na minha cama, para quê guardá-los? Quando me casei a minha mãe mostrou-me lençóis do seu enxoval que nunca tinha usado e lembro-te de ter pensado que era um grande disparate. Vivemos a vida guardando as coisas melhores dentro de armários e baús porquê? Na expectativa de um grande acontecimento que justifique sujar as toalhas de linho e os copos de cristal? Que tristeza chegar a velha e verificar que tal acontecimento nunca aconteceu, por isso decidi que a vida me acontece todos os dias.

11.4.11

O gordo

O Berto Gordo foi sempre gordo, desde pequeno, e nunca foi um rapaz bonito. Mas o Berto Gordo arranjou namorada e casou-se. Tem um filho adolescente que é sobre-dotado, frequenta uma escola de música desde muito pequenino, não tenho a certeza que instrumento o miúdo toca, e canta maravilhosamente. O filho do Berto Gordo não é gordo, e é um rapaz bonito. O Berto Gordo ainda é gordo, está igual, mal ajeitado e balofo. Mas o Berto é um homem respeitado por todos, é prestável e simpático, é homem de palavra, trabalhador e membro activo da comunidade. É escuteiro e faz parte da comissão de festas da freguesia. Canta no coro da igreja, ao lado do seu rapaz. Imagino-o carinhoso com a esposa, só porque vejo alegria nos olhos e nas maneiras daquela mulher. Imagino o Berto gordo a comer desalmadamente à mesa, um prato cheio a seguir ao outro, e no fim um elogio rasgado aos dotes culinários da esposa. Imagino o Berto gordo a deixar ocasionalmente a tampa da sanita levantada mas imagino-o também a barbear-se religiosamente e a tomar o seu duche antes de se deitar ao lado da mulher. Imagino a mulher do Berto gordo a virar-se para ele a sorrir-lhe por sentir o cheiro a fresco e a lavado. Imagino-os a fazer amor.

8.4.11

Carne

A carne que te alimenta o animal não passa de pó que à mínima brisa se espalha e desaparece no ar, o sangue que te ferve nas veias não passa de água que ao mais ténue raio de luz se evapora na pele. Deixa, dorme, respira, nada te fica, nada te marca, é impossível destruir o que está desfeito.

5.4.11

Chato

A cena chata é que apetecem uns braços para nos abraçar e só se imaginam aqueles braços. E apetecem uns lábios para nos beijar e só se visualizam aqueles lábios. É chato. Há montes de braços e há montes de lábios, mas são aqueles, aqueles que se querem. Sim, aqueles que não se tem. Os outros ali à mãozinha de semear e nós, nada. É chato.

29.3.11

Waste

É a segunda vez que sou deitada fora, ao lixo. Como um objecto que não tem utilidade, que não serve para nada e que ocupa um lugar que não possui pois esse lugar pertence a outro. Então resta só livrar-se desse objecto. Da primeira vez, esse espaço era dele, apenas dele e do seu ego. Eu, de nada servia, e o meu amor foi comigo para o caixote do lixo. Agora, o espaço é dela, e ele, não se desfaz dela, porque ela está lá há mais tempo, mas o meu amor não vai para o lixo, ao invés é cuidadosamente colocado na recliclagem e periodicamente é aproveitado, mas nunca todo, só uma parte, a que interessa, a melhor, a mais refinada. Ainda assim, não passo de desperdício, não importam os detalhes, não importam as razões nem os motivos, o desperdício sou eu.

25.3.11

Choque

Estão a cortar árvores no jardim do centro da cidade, as árvores que desde que me lembro dão sombra aos bancos do jardim. Está tudo de pernas para o ar há meses, mas cortar as árvores? Não me habituo à ideia de cortar árvores adultas. Há coisas que por mais que se tornem banais não consigo habituar-me a elas. Como cortar árvores. Ou destruir livros. Não consigo.

24.3.11

Moda

Ok, ok, ok, entrou agora aqui uma colega com duas bolsas e uma carteira, ou porta-moedas ou lá como é que se chama, que fez para um dos clientes dela para nos mostrar e perguntar se queremos encomendar à fábrica que vai produzir a encomenda para o cliente. É prática corrente aqui no escritório, quando as produções são feitas cá, cada uma que se desunhe e compre à fábrica se quiser algum modelo, afinal todas nós conhecemos as fábricas todas, mas quando as encomendas são feitas na China, Tunísia ou Índia, e especialmente acessórios como sapatos, malas e carteiras, ou então peças de malha em caxemira, as colegas que seguem essas produções, no momento em que passam as encomendas às fábricas, mostram o artigo às outras colegas e passam também uma encomenda "pessoal" para a malta do escritório. Pois bem, chegou aqui a colega a mostrar as bolsas, são engraçadas até, e tomou nota dos pedidos. Uma disse que eram giras mas que não faziam o género dela, outra disse logo que não queria e outra achou gira uma bolsa fushia com aplicação de leopardo e uma cena dourada enorme ao meio. É gira para sair à noite, levou logo uma gargalhada geral, e por acaso tu até sais muito à noite, pois sais, e tu, virando-se a colega para mim, não queres nada? Eu? Na, eu, para sair à noite, prefiro foder os setenta euros em vodka.

23.3.11

Não precisa de título

Esta história da universidade, podia ter sido outra coisa qualquer, porque pensar é coisa que me acontece frequentemente, fez-me pensar. E penso na minha vida, onde estou e para onde vou. Ainda não sei assim muito bem. Penso no que foi a minha vida desde que me conheço adulta e comparo com o que vivi nos últimos meses. Penso no meu percurso profissional e no que espero ainda alcançar. Penso nos meus filhos e na marca que gostaria de lhes deixar. Penso essencialmente em mim. Sou tão exigente, tão rigorosa em determinados aspectos e tão desleixada noutros. Gosto de pensar que valorizo muito mais aquilo que importa e o que considero superficial é tratado simplesmente assim, como superficial, sem direito a grande tempo ou esforço, mas este balanço é somente o meu. Aprendi a perdoar e hoje sei que é dos estados mais libertadores que podemos atingir. Há alguns anos achava que nunca perdoaria determinadas atitudes, mas isso só significa agarrarmo-nos a coisas más, e quem se agarra a coisas más fica mau, fica azedo. Quando perdoamos os outros libertamo-nos de nós mesmos, e quem nos olha com desdém porque somos parvos ou fracos é aos nossos olhos apenas mesquinho. Avançamos, deixamos o que nos faz mal para trás e às vezes pessoas também, mas percebemos que não precisamos delas para nada. Nem para nos sentirmos fortes, nem para sermos felizes. Para sermos felizes temos de perdoar a nós próprios, mas isso, ainda não aprendi.

22.3.11

Para começar

Para começar a pensar no assunto acho que um curso de Português, ou de Literatura Portuguesa seria bom. Podia ser também de Inglês, ou isto tudo junto. E já vi que existe um, em horário pós-laboral, que se chama assim:

Licenciatura em Línguas e Literaturas Europeias
variante bilingue major Português
minor Inglês, Alemão, Francês ou Espanhol

Sou gaja para ir pelo Inglês por não constituir motivo para qualquer preocupação, ou pelo Francês, pelo desafio de aprofundar uma língua que utilizo diariamente numa base comercial, mas que considero deliciosa. Vou pensar.

18.3.11

E agora?

Estou um bocadinho triste, acabaram as minhas aulas. Afinal já frequentei mais aulas do que necessário. Confusões com o meu registo escolar que quase que tive de resolver à estalada, mas ficou tudo definido e perceberam que já está. Mas estava a gostar. Resta-me completar um port-folio absolutamente inútil. Agora penso no que fazer a seguir. Universidade? Talvez. E o quê? Difícil.

17.3.11

Começar bem o dia

Comecei o dia de trabalho hoje com um comentário que, francamente, não poderia nunca ser proferido por um homem sem ser considerado ordinário mas foi a C., a nossa C., a caçula aqui do people do escritório. Então a C. quando me viu hoje a entrar no escritório, ainda nem sequer tinha tido tempo para tirar os óculos de sol, sai-se-me com isto:

Eu: Bom dia.
Ela: Bom dia. Ui, sabes o que tu pareces hoje?
Eu: Não, o quê?
Ela: Pareces uma daquelas gajas dos filmes, que por baixo do casaco apertado só têm uma lingerie sexy e depois abrem o casaco e uau, arrasam.
(depois de termos conseguido parar de rir)
Eu: Oh C., foda-se pá, tu não bates bem, mas gostei da ideia.
Ela: É dos saltos altos, e do casaco assim apertado com um nó, fica-te bem.

Há melhor? Não há.

16.3.11

Ena!

E eis que me chega esta manhã às mãos um novo dossier, anunciado há duas semanas pelo meu patrão. Um velho amigo seu, disse-me, voltou e quer imperativamente tê-la a si. E cá está, o tipo que me pôs a cabeça em água há uns anos atrás e que depois de uma violenta discussão que me fez gritar o mais alto que consegui ao telefone e de seguida lho desligar nas trombas, foi remédio santo, ficamos grandes amigos, voltou, com uma nova marca de roupa, um projecto muito engraçado, com muito potencial. E ao descobrir os modelos, as matérias-primas, o conceito, dou comigo a sentir a adrenalina nas veias. Já não era sem tempo.

15.3.11

Coragem

No fim-de-semana tive vários momentos em que pensei: e se fumasses um cigarro agora? Estás sozinha e nunca ninguém saberia. Vais ao carro e pegas nos cigarros, é fácil. Ninguém sabe. E se fosses? Mas não fui. Ontem à noite tive a mesma ideia, e também não fui. O facto é que não tenho coragem. Desde que deixei de fumar há seis meses que mantenho um maço de cigarros num compartimento do carro. E desde aí que tenho vontade de fumar, todos os dias, várias vezes por dia, mas ontem percebi que chegada a este ponto, não fumo simplesmente porque não tenho coragem de fazer o caminho de volta. Um cigarro à noite, outro na noite seguinte. Em menos de nada estaria outra vez a derreter o maço diário. Não tenho coragem. Sou fraca.

14.3.11

Lógica

Ontem, ao almoço, à mesa:

Ele: Sabes mãe, quando eu era pequenino achava que o sal vinha do mar.
Eu: E vem filho, o sal vem do mar.
Ele: Eu sei, vem a água do mar, fica presa naquelas coisas...
Eu: Nas salinas...
Ele: Isso, nas salinas, evapora-se e fica o sal. Mas também achava que o acúcar vinha do rio.
Eu: Do rio?
Ele: Sim, (já a rir-se) a água do rio não é água doce?

(Choramos a rir)

Retenção

Enquanto estive a viver em casa dos meus pais experimentei um sentimento que não posso descrever como ciúme porque não sei se é ciúme. Foi a primeira vez que senti e acho que nunca tinha sentido ciúme antes. Chateava-me ter de partilhar constantemente os meus filhos, nunca estavam só comigo, havia sempre mais alguém. Nem à noite, ao deitar eu sossegava porque se eu estava com um deles, a minha mãe estava com o outro. Isto tudo misturado com o sentimento de gratidão e um profundo amor que sinto pelos meus pais causou-me bastante mau estar. Como posso eu ser assim quando se aqui estou é porque assim o quis e quando tenho todo o apoio dos meus pais e toda a generosidade e sacrifício da minha mãe, todo a segurança trazida pelo meu pai, como posso ser eu assim? Verbalizo pela primeira vez este meu podre, pois consegui encontrar ainda um outro. Agora que estou já em minha casa, com os meus filhos dou comigo a fazer retenção. Dou comigo a passar o fim-de-semana com eles sem vontade nenhuma de participar nos almoços de domingo. Não fui. Passei o dia com eles e eles foram só meus. Só para mim. À noite, pesou-me a consciência e telefonei aos meus pais, os miúdos falaram com eles e eu também. Verifiquei que o ciúme deu origem a outro podre. Sou um cesto de maçãs. A primeira já deu cabo da segunda e se não me livro delas rapidamente apodrecem todas. Mau, muito mau.

11.3.11

Genética

Às vezes penso, e se esta merda se sabe? Se alguém descobre e me chiba? O que pensarão os meus pais? O que pensarão os meus filhos? Acredito que será sempre mais fácil explicar aos meus filhos pois ainda não percebem o que é a vida destilada de emoções. Digo-lhes que o amo e pronto, eles aceitam. Por hora. Aos outros seria muito mais difícil e doloroso. A minha mãe morreria de desgosto, mulher crente, temerosa de Deus e profundamente religiosa. Desgosto. Nem quero pensar. O meu pai, não sei, o meu pai. Pois. Pensando bem no meu pai, a irmã mais velha só se casou com o pai do filho já parido e criado quando engravidou do segundo. Outra irmã, a única cuja história desconheço, foi "obrigada" a casar com um senhor viúvo cheio de filhos pequenos porque já estava a fazer asneiras a mais, a outra engravidou e pariu um filho que abandonou ao encargo da avó aos dezasseis anos, e desandou para Lisboa com os patrões, e um dos irmãos tendo emigrado para França nos anos sessenta, conheceu uma espanhola quente e quinze anos mais velha do que ele e nunca mais apareceu à mulher que cá tinha deixado, voltou vinte anos depois com a espanhola que nós sobrinhos conhecemos como mulher dele até já sermos adultos e descobrirmos a aventura do nosso tio. Casou-se com a espanhola um ano antes de morrer. A espanhola, a minha tia, ficou connosco até morrer. Perante isto, sinto-me tentada a pensar que esta merda só tinha era de acontecer, esta merda está-me no sangue. Com uma família assim, a puta da avaria genética tinha de calhar a alguém. Foi a mim. Olé!

9.3.11

A namorada

Ontem conheci a namorada do meu ex-marido. Já a tinha visto antes, entreguei-lhe os miúdos um dia em que o pai não conseguiu regressar a Portugal no voo previsto, acho que por altura dos fumos do vulcão que perturbaram os percursos aéreos em toda a Europa, e o pai iria chegar mais tarde e pediu-me para entregar os miúdos à namorada que os levaria para um almoço qualquer. Achei-a simpática. Ontem falamos um pouco, mais uma vez, o pai de viagem e ela prontificou-se para os levar com os filhos dela para verem um desfile de Carnaval numa aldeia onde os pais dela têm casa. Levei-os até casa dela e ficamos à conversa. É uma mulher despachada, simples, inteligente e simpática. É bonita mas não é sofisticada. Gosto dela. Já gostava antes, porque os meus filhos gostam muito dela e dos filhos dela também. Gostam de estar em casa dela e os relatos são sempre muito alegres e entusiásticos. Trata-os bem sem no entanto ser demasiado permissiva nem a amigalhaça que os deixa fazer tudo. Disse-me que há regras em casa dela e que faz questão que sejam respeitadas, o que me agradou muito ouvir. As minhas amigas que já a conhecem tinham-me dito que é uma tipa porreira, sem merdas, assim como nós. Ontem pude comprovar que é mesmo. Disse-me também, na cara, que gostaria que eu a visse como uma amiga dos meus filhos e como minha amiga também. Respondi-lhe que sentia que sim, que era amiga dos meus filhos, que eles gostam muito dela e que isso me deixa muito contente. Não respondi à parte de ser minha amiga, acho que não faz muito sentido, mas acredito que é uma mulher que poderia perfeitamente sê-lo. Sem merdas.

7.3.11

Uma mulher séria

O que é uma mulher séria? Vi há pouco esta expressão num blog que costumo ler. Lá onde a li dizia que uma mulher séria não diz asneiras, não apanha uma bebedeira, não vê filmes pornográficos, não dorme com estranhos. Será? O que é que faz duma mulher realmente séria?

4.3.11

Larguezas

A sensação das putas das calças a ficarem largas no rabo é excelente, já sentir o soutien a dançar é mais fodido. Já vão as mamas para o caralho outra vez. Foram dois abaixo.

3.3.11

Gás

É só mesmo para dizer que o meu fogão é um Porsche. Não, não é um Porsche porque não custou nenhuma fortuna, mas dá um gás... um luxo. É uma maravilha, e um fogão em condições é meio caminho andando para bons pratos e barriguinhas cheias e consoladas. E pronto, só queria dizer mesmo isto. Há quem venha falar de roupa ou sapatos, eu falo do meu fogão. Até aqui era a banheira, agora é o fogão, e depois? Há crise?

1.3.11

Sucesso

Vou falar outra vez do Facebook e do grupo da minha escola. Não resisto. Há um tipo que foi da minha turma, era muito popular, senão o mais popular da escola. Era giro, engraçado, destemido, tudo o que um rapaz na adolescência quer ser e só muito poucos são. Além disso era simpático e falava com toda a gente, mesmo com quem não era popular como ele. De vez em quando cruzo-me com ele, ora na rua, de carro, ora no super mercado, cumprimenta-me sempre, e já o vi inclusivamente num concerto em Lisboa, grande coincidência. Mas de há uns anos para cá vejo-o triste e apagado. Houve um dia até, em que o encontrei e quando me viu sorriu e vi naquele sorriso uma característica que me era tão familiar. Vi um sorriso de socorro, de alguém que não se sentindo bem, a lembrança que eu lhe trazia, dos tempos de escola em que a vida lhe corria bem, em que era feliz, o fez sorrir como que a pedir, salva-me, tu que conheces o tempo em que eu era feliz, leva-me de novo para lá. Eu conhecia esse sorriso, era também o meu às vezes. Muitas vezes. O Facebook... pois. Vejo as fotografias dele naquele tempo e a expressão é aquela de que me lembro, a jovialidade, a irreverência e sempre aquele sorriso aberto de quem é feliz. E também no Facebook, vejo as fotografias dele hoje, tão diferentes das do antigamente, vejo-o triste, o olhar apagado, sinto sofrimento naquele rosto. Sei que vive cá na terra, sei que é casado, que tem filhos pequenos, mais novos que os meus. E sei também que não é feliz.

28.2.11

Comida

Estou exausta. Os miúdos voltaram definitivamente a casa. Pareciam loucos. Ai que saudades mãe, a casa está tão bonita mãe. Nem sabiam o que fazer, para que lado se virarem. Jogaram à bola no jardim, ficaram como ferreiros, todos suados, cheios de relva e de terra. Depois do duche, viram a varanda toda arrumada com os brinquedos todos em ordem, e ao abrir as gavetas e percorrer as estantes, ei, que saudades deste carro, que saudades deste jogo, já nem me lembrava. Depois os dvd's, olha este filme, que saudades, podemos ver? Podemos. E o que vamos jantar? Não sei, o que acham? Vamos às compras e decidimos o que vamos comer? Ena, vamos. Fomos. Escolheram picanha. Seja. Chegamos a casa e trinta minutos depois, eles ajudaram,  estávamos a jantar. Depois de tudo arrumado e limpo, eles ajudaram, fomos ao circo. Muito bom. No dia seguinte, o almoço foi comprado porque fomos à missa e não dava tempo, mas o jantar, a velha história. Mãe, o que vamos jantar? Não sei, o que acham? Pizza! Hum... não sei... comida de plástico? Sim mãe, não há problema, pizza mas da que tu fazes, nós ajudamos-te. Seja, vamos às compras e fazemos pizza. Fizemos, todos, uma algazarra total, a loucura, adoramos ver-te cozinhar mãe.
(Nunca conseguirei dissociar a ideia de família e união, da comida, da preparação das refeições e das refeições Pelo menos na minha, está tudo íntima e fortemente ligado)

25.2.11

Descubra as diferenças

Através de uma amiga de escola descubro no Facebook o grupo da nossa escola e delicio-me a ver as fotografias da malta naquela altura. Percorro os perfis e há os que reconheço imediatamente e os que se se sentassem ao meu lado no cinema ou no café não passariam de mais um desconhecido. E divertida, vou andando e vendo, rindo com as fotos dos jogos de futebol, festas e passeios. Até que me deparo com uma fotografia de um passeio e piquenique, e temos lá escarrapachados os comentários dos que lá aparecem. E o que me chamou a atenção foram os comentários de um casal, do meu tempo, da minha idade. Eles começaram a namorar lá na escola, recordo-me perfeitamente dela chegar à escola e dele ter ficado deslumbrado com ela, a ponto de nunca mais a ter largado, a ponto de ter conseguido que ela deixasse o namorado que tinha e ter casado com ele. É aquele tipo de casal que no Facebook tem as fotografias das férias, com os dois filhos ao pé da piscina, a família perfeita, os comentários dos amigos, ai que lindos, ai que apaixonados, ai os meninos que engraçados, e por aí fora. E na puta da foto do passeio, bato com os olhos no comentário dele, este dia mudou a minha vida, foi neste dia que comecei a namorar com a mulher que está comigo hoje. E o comentário dela, foi neste dia que comecei a namorar com o meu marido lindo, graças a este dia tenho agora dois filhos lindos. Sou só eu que vejo aqui uma diferença? Sou?

23.2.11

Tiny little things

No segundo em que me sentei na cadeira pensei de mim para mim: mas que bom que é estar sentada a apanhar Sol numa esplanada e dou-me conta que um prazer tão fácil e simples me passa tanto ao lado. Triste não é não conseguir fazer coisas difíceis, triste é não conseguir fazer coisas fáceis.

Ciúme #1

Há meses que não escrevo sobre os meus filhos, porque durante estes meses fora de casa e a partilhá-los com os meus pais experienciei um sentimento detestável cuja origem começo a identificar mas que ainda não consegui digerir. Abro-lhe a porta apenas, a este sentimento, não ouso deixá-lo sair, ainda é cedo.

Puzzle

E à medida que tudo em minha casa começa a voltar ao devido lugar, à mistura com algumas coisas novas que naturalmente encontraram também o seu lugar, dentro de mim, tudo começa a desmoronar.

22.2.11

Dona Rosa

Dona Rosa enviuvou aos cinquenta e cinco anos. Dona Rosa, muito senhora do seu nariz resolve casar-se com o Senhor Antunes, senhor muito respeitável, de boa apresentação, asseado e educado, cristão católico e praticante, uma boa reforma, enfim, tudo o que se pretende encontrar num marido ideal para combater a solidão dos anos dourados da vida de uma pessoa. Pois casam-se Dona Rosa e o Senhor Antunes, e dos cinco filhos de Dona Rosa, três zangam-se. O Senhor Antunes não teve filhos com a sua falecida esposa. As duas filhas que se conformaram o segundo casamento da mãe estão hoje perante um grande problema nas suas vidas. Passaram-se vinte anos desde que a mãe se casou. Ouvem-na agora queixar-se que não consegue aturar o Senhor Antunes, que é um chato e que não pode mais. O Senhor Antunes, coitado, confessa que Dona Rosa, hipocondríaca de primeira linha, mimada e caprichosa, lhe dá cabo do juízo. Estão velhos, Dona Rosa e Senhor Antunes, já não deviam estar sós. E as filhas? Não se chegam? A mais nova entende que a mais velha, que já não trabalha terá mais disponibilidade para tomar conta dos velhotes. A mais velha reclama que se fosse só a mãe a levaria para sua casa, mas o padrasto... isso não, tem a filha já casada a viver noutra cidade, desvia-se do problema e vai passar longas temporadas em casa da filha. A mais nova, vive num apartamento no oitavo andar, os velhotes não querem ir para lá. Dizem as más línguas, Dona Rosa, muito senhora do seu nariz, casou-se sem precisar da licença de ninguém, não escutou ninguém, agora que está doente e farta do marido, que se desunhe. Dona Rosa nunca cultivou o afecto dos filhos, nunca esteve disponível para ajudar fosse no que fosse, sempre independente e senhora do seu nariz. Sempre com a língua afiada, nunca murmurou um mimo, nem aos filhos, nem aos netos. Dona Rosa colhe agora o que ao longo da vida semeou, não espere carinho quem nunca acarinhou.

14.2.11

Foi você que pediu?

The real thing, é a minha.






(esta noite já durmo chez moi)

13.2.11

Nem acredito

Os móveis estão todos dentro de casa, à excepção das camas dos putos, que estão todas fodidas e vão dar lenha e lugar a um beliche, os putos estão contentíssimos com a ideia, da minha cama que vai ser forrada, e de um armário e uma cómoda que vão ser restaurados. Ontem levei uma coça monumental a limpar todos os restantes móveis enquanto os homens iam buscar a próxima carga ao armazém. À noite doía-me tudo, mas pior, doía-me a perna defeituosa. Há quase um ano que não sentia aquela dor. Vou acreditar que foi do esforço, prefiro acreditar nisso. Adiante. Agora que os móveis estão no sítio é preciso tratar do resto, por isso programei tirar a semana. Sim, férias, mas a trabalhar chez moi. Vou fechar-me em casa e só saio quando tiver terminado (as aulas não contam, claro que não vou faltar). Vim agora ao escritório organizar uns assuntos para a minha colega dar seguimento durante a semana e desapareço do mapa durante uma semana. Quando aparecer espero já estar a morar de novo lá em casa. Ufa, já não é sem tempo. Nem acredito.

10.2.11

Abuso

Mas ele tratava-te mal? Perguntaram-me acerca do meu ex-marido. Se por tratar mal entenderes que me batia, que me insultava, que me impedia de fazer o que eu queria, fosse isso sair ou ficar em casa ou que me proibia de falar com alguém, ou que não me desejava sexualmente, ou que me achava uma má mãe, não, nunca me tratou mal. Mas, se por tratar mal entenderes que me fazia sentir que eu não era suficientemente boa para ele, ou que me dizia que tudo o que eu fazia, se tivesse sido feito por ele teria sido feito muito melhor, ou que porque eu gosto de cinema e conheço os realizadores e os actores me fazia sentir fútil, ou que eu era uma burra e ele só estava comigo porque lhe convinha, ou porque profissionalmente me considerava menor porque não tenho um curso superior apesar do meu salário que não é nada mau ter o seu peso no orçamento familiar, ou porque me desiludiu muito ao longo dos doze anos que estivemos casados sobretudo porque todos os dias me fazia sentir que os meus sentimentos para ele eram merda e o que ele achava é que estava certo e nada do que eu dissesse ou fizesse era levado em conta, sim, tratou-me muito mal. E eu deixei, depois disse basta e a seguir divorciei-me. Haverá talvez mulheres para quem tudo aquilo que eu considero faltas de respeito para comigo não constitua problema algum. Haverá talvez mulheres para quem nem mesmo uns tabefes nas trombas constitua motivo válido para um divórcio. Deixem-se estar. Eu aprendi muito cedo, se bem que não muito cedo o apliquei, que quem não está bem, põe-se. Eu pus-me.