26.9.12

Batota

Anda o pessoal a divertir-se a ler as sombras daquele senhor que parece que lhe bate e ela gosta e eu sou obrigada a ler Sá de Miranda e Virgínia Wolf. Da outra vez fiz de conta que li mas não li e safei-me mas desta... hum... acho que não ne safo.

(Ontem pela primeira vez na vida li, obrigada, uns poemas de Sá de Miranda e, surpresa, gostei muito.)

25.9.12

Perpétua

Quem não se lembra da Tieta do Agreste? (por favor não valorizar as alusões a obras do Jorge Amado ultimamente, não têm qualquer significado para além do que lhes dou, de serem base de muitas telenovelas que quer queiramos quer não deixaram fortes memórias em várias gerações) E quem se lembra da Tieta do Agreste também se lembra de certeza da Perpétua, a irmã. Sempre vestida de preto, eterna viúva e com a trança a atravessar-lhe a cabeça. Sempre mal disposta, sempre zangada e sisuda. Ora o meu pai gosta de chamar Perpétua à minha mãe, quando estamos todos na palhaçada e ela se irrita connosco. Isto dura há anos, desde a telenovela, ou seja, quando a brincadeira começa a ser demasiada e a minha mãe manda parar, o meu pai dá o alerta, calem-se que vem aí a Perpétua o que dá sempre risota e desarma a automaticamente a minha mãe. Os meus filhos obviamente que já aprenderam a história da Perpétua, sem terem sequer ideia que quem é ou foi a Perpétua, mas há muito que captaram o espírito da coisa.

Hoje, hora de almoço, eu a mandar o rapaz grande despachar-se para entrar no carro, costumo deixa-lo à porta da escola a caminho do trabalho e hoje com a chuva ele estava mais lento do que o habitual. Ena mãe! Estás brava, já pareces a Perpétua versão 2! E ria-se às gargalhadas. Não consegui, também explodi às gargalhadas.

20.9.12

Fúria

Ontem, tinha acabado de anoitecer e eu dirigia-me ao meu carro depois da reunião na escola do meu filho mais velho. E enquanto retirava a chave do carro de dentro da bolsa reparei num indivíduo que estava parado no passeio, encostado à parede na esquina da entrada de um café. O homem olhava para mim e eu passei e ouvi um sussurro melado assim: "pareces a Gabriela". A verdade é que morena, rechonchuda e de cabelo escuro, comprido e ondulado, com um vestido vermelho justo pelo joelho, sou o mesmo tipo de mulher que a moça que faz de Gabriela na telenovela. Quando ouvi aquilo, dito assim, daquele indivíduo que não me conhece de lado nenhum, não sei, mas em vez de ficar contente com o que foi nitidamente um elogio, ou no mínimo uma demonstração de tesão, apeteceu-me esbofeteá-lo. Mas esbofeteá-lo violentamente. É muito estranho.

19.9.12

Benção

Depois de várias alterações ao horário, este primeiro semestre vislumbra-se menos difícil do que o anterior, mas ainda assim  três noites por semana os moços terão de dormir nos avós. Na cabeça da minha mãe isto é terrível porque e se depois eles têm dúvidas nos trabalhos de casa e eu não consigo ajuda-los? Ao que eu respondo, tentando sossega-la, que num desses três dias da semana só tenho aulas às oito o que me permite ir a casa deles depois do trabalho, ver os trabalhos dos rapazes antes das aulas. Serão só dois dias em que eles têm de fazer os trabalhos sem ninguém para acudir às dúvidas e nesses dias farão como os outros e colocarão as dúvidas aos professores no dia seguinte. Mas não sei, continua ela, eles vão ter saudades, e eu é que sei porque eu é que os deito e eles dizem-me, não sempre, mas às vezes, que têm muitas saudades da mãe. Eu sei mamã, eu sei, e isto corta-me o coração também a mim. Só que o meu pai, mediante as choraminguices de mãe e de avó, eu já a considerar deixar mais uma cadeira para exame e libertar outra noite da semana, insurge-se e pergunta por que raio haveria eu de deixar de ir a essa aula, porque os rapazes ficam bem e ela fez tudo este ano que passou, não fez? Fiz, papá, fiz. Então que faça igual agora neste que dos moços cuidamos nós e se vai fazer o esforço, que aproveite o mais possível para acabar o mais depressa possível. E eu fico a vê-los aos dois, a minha mãe e o meu pai, assim a decidirem a minha vida como se eu nem lá estivesse, a discutirem e a organizarem as vidas, a deles, a minha e a dos meus filhos, sempre pelo melhor, sempre sem pensar nos próprios sacrifícios. E eu fico a vê-los aos dois, a minha mãe e o meu pai, e penso, que sorte que eu tenho.

17.9.12

Verdades

Pedir desculpa serve, basicamente e na grande maioria das vezes, só para que quem o faz se sinta melhor consigo próprio. Assim como contar a verdade, às vezes só resulta em sofrimento de quem ouve, independentemente de se poder bater com a mão no peito e afirmar que se é honesto, cagando-se de alto para quem tem de ouvir, engolir, e sofrer. E é rídiculo que se ache que por ter contado a verdade já se merece tratamento menos duro, uma palmadinha a atenuar a asneira. Há verdades que nunca devem ser ditas, não mudam nada. Só aliviam a consciência de quem as conta e destroçam quem as ouve. Nas infidelidades é óbvio que quem conta ao cônjuge que traiu só espera aligeirar o peso na consciência, espera ser perdoado só por ter contado a facada, vês? podia ter estado calado mas fui sincero. Ora merda. Ninguém quer saber que foi traído, pois vê-se forçado a tomar uma decisão. Ou perdoa e demonstra fraqueza ou não perdoa e rompe, o que talvez não tenha estrutura para fazer. Fica-se mal de uma forma ou de outra, mesmo que se faça um pé de vento e se grite, esperneie e leve tudo à frente. Quem é traído e abandona nunca fica por cima, ainda que pareça que sim. Contar uma verdade destas é cruel e trucidante. Quem trai e sente culpa tem de guardar só para si, tem de carregar o peso sozinho. Pode ser que um dia passe. Ou não. Mas tem de arrecadar com as consequências sozinho.

11.9.12

Fez na semana passada dois anos que não fumo. E a verdade é que há mais ou menos um mês que não tenho vontade de fumar todos os dias, há mesmo dias em que não me lembro. Começo a acreditar que há uma vida depois do tabaco, eu, que já tinha engolido que ia viver até ao fim dos meus dias com vontade de fumar. Pode ser que não.