30.10.14

Bullshit

Gosto de pessoas espontâneas, mas não de pessoas impulsivas.
Gosto de pessoas frontais, mas não de pessoas que magoam gratuitamente.
Gosto de pessoas meigas, mas não de pessoas pegajosas.
Gosto de pessoas engraçadas, mas não de pessoas engraçadinhas.
Gosto de pessoas sensíveis, mas não de pessoas lamechas.
Gosto de pessoas fortes, mas não de pessoas brutas.
Gosto de pessoas confiantes, mas não de pessoas arrogantes.
Gosto de pessoas inteligentes, mas não de pessoas espertinhas.

23.10.14

Sinais

Ouço o mesmo disco no carro desde que regressei de férias, quase há dois meses portanto, mas em casa apetece-me ouvir a "Absolute beginners" do David Bowie. No outro dia lembrei-me de Dave Mathews Band e do que eu gostava da "Don't drink the water". Ando a ouvir música que me faz lembrar estados de alma antigos, negros, pútridos. Hoje senti um vontade incontrolável de ouvir "Sour times" dos Portishead. Cedo à atração pelo abismo, não consigo deixar de ouvir, de sentir prazer em recordar toda a porcaria que sentia, que era má mas boa, e boa mas má e que me estraçalhou. Não sei o que será, mas nada de bom poderá sair daqui.

22.10.14

A ver navios


A vida dá muitas voltas.
Ontem telefonou-me a namorada/companheira do meu ex-marido a perguntar-me se posso ficar com o filho dela este fim-de-semana. Claro que posso, com todo o gosto, respondi-lhe. O miúdo é da idade do meu filho mais novo, é da turma dele e da equipa de futebol dele. São os melhores amigos. Sucede que este fim-de-semana os meus filhos estarão comigo e os dela teoricamente estariam com o pai. Não perguntei porquê, mas percebi que estão com ela e que tem um evento qualquer no sábado, com o meu ex-marido, claro, e o rapaz disse à mãe que gostava de ficar com os meus. A filha mais velha vai ficar em casa de uma amiga, mas o rapaz pediu para ficar comigo. Já ficou a dormir lá em casa algumas vezes e o miúdo é impecável.
Mas o que foi mesmo engraçado foi o meu ex-marido ter telefonado aos filhos ontem à noite, como faz todas as noites, eu ter-lhe dito o que tinha combinado e ter verificado que ele não sabia de nada. Tanto que inicialmente pensou que eu estivesse a referir-me a um outro fim-de-semana, em Novembro, que me pediu para ficar com os miúdos na noite de Sábado para Domingo, apesar do fim-de-semana ser dele. Outro evento qualquer, e eu disse-lhe que podiam ficar também os miúdos da namorada/companheira dele, se fosse necessário, porque sei que os fins-de-semana com miúdos coincidem, ele com os dele e ela com os dela. Só depois percebeu que ficou a ver navios, não sei se gostou ou não, mas eu, honestamente, adorei.
Sua excelência, importantíssimo, que quase que vomita quando tem de me “pedir favores” tanto por ter de pedir como por eu nunca lhe recusar nenhum e aceitar com toda a naturalidade as alterações de programação no que aos miúdos diz respeito, às vezes até fico com a impressão que ele quase que quer arranjar um pretexto para se chatear comigo só que não lho dou, foi passado para trás pela ex-mulher e pela companheira, que se entendem bem e tratam do que têm a tratar sem precisar dele para nada. Adorei.

21.10.14

Gajas boas


Hoje de manhã, a caminho da escola, conversavam os dois como se eu não estivesse presente:

Pequeno: De cada vez que passo pelo liceu, só vejo gajas boas.
Grande: Ora olha, estas todas (miúdas a pé, a caminho da escola), são todas giras.
Pequeno: Pois são, todas mesmo giras.
Grande: Lá no liceu, não importa para que lado te vires, vês uma gaja boa por metro quadrado, no mínimo.

O pequeno ria-se, e o grande, lembrando-se de repente que eu estava dentro do carro:

É verdade mãe, elas vêm para a escola todas produzidas, de bolsinha e tudo, é incrível.

Eu: Já viste que sorte que tens?

19.10.14

Velhice

Estou para aqui derreada, a realidade pesa como cimento e cansa. Esqueci-me que tenho praticamente quarenta anos e não só saí anteontem à noite, como, distraindo-me, também saí ontem à noite. Na sexta-feira fui jantar com a malta do curso e depois fomos beber um copo no centro de Braga, fiquei a conhecer um bar magnífico (Estúdio 22) onde se ouvia, entre outros, David Bowie e Rolling Stones. Bom de ver, as pessoas dentro do bar nasceram todas na década de setenta, ou mesmo na anterior, senti-me bem, foi bom. A minha velhice atacou-me por volta das três da manhã, quando já com o sono a aparecer comecei a ficar inquieta com o facto de ter de conduzir até Guimarães, porque me aterroriza a ideia de adormecer ao volante. Todavia correu bem, acredito que porque decidi vir pela estrada nacional, cheia de curvas, em vez de optar pela autoestrada, já que ainda que seja uma viagem de poucos minutos é muito mais monótona. Ontem, já depois da limpeza geral da casa, atirei-me para o sofá e adormeci. Ao fim da tarde, fui desafiada para jantar no Porto e para ir a um evento chamado 20-XX-vinte. Como disse, completamente distraída do facto de me ter deitado tarde na noite anterior, e do reumatismo a queixar-se da faxina, aceitei. O pormenor de ser levada e trazida contou bastante, confesso. Com as mesmas pessoas, que me são muito queridas, a verdade é que o mesmo programa teria sido recusado se tivesse de conduzir - lá está a velhice - gosto muito de conduzir, mas é de dia, ou se for de noite, nunca depois de jantaradas e bares, ainda que beba apenas água. E, apesar do evento não me ter agradado especialmente, foi uma noite muito bem passada, com pessoas fantásticas e diverti-me muito. Como já não me lembrava. Andei por sítios que frequentava há uns quatro ou cinco anos e soube-me bem recordar aqueles tempos. Mudei tanto desde então. Estou mais velha, mas estou muito mais cansada, e com muito mais consciência do que fui, e do que sou. Agora sou aquela pessoa que prefere ficar em casa, no sossego. Que prefere não ter nada para fazer, não ter compromissos. Que tem muito pouca paciência para coisas que antes a entusiasmavam e faziam sentir-se viva. Não sei muito bem o que é que me sobra. Se é que sobra alguma coisa.

10.10.14

Medo

Ao deitar.
Ele: Oh mãe, tenho tanto medo do Ébola... só penso nisso.
Eu: Então pá? não é preciso exagerar. Eu também tenho medo mas não ando sempre a pensar nisso
Ele: Mas eu fecho os olhos e só penso nisso, juro-te.
Eu: Pá, quando fechares os olhos pensa em gajas, gajas giras, pensa em mamas, sei lá.
Ele: (a rir) E a minha turma está cheia delas!
Eu: Ora aí tens, pensa nas miúdas da tua turma.
Ele: Boa, mãe!
Eu: Vá, dorme bem.