30.9.11

Orelhas

Como esta semana ficaram a dormir em casa dos meus pais para eu poder ir às aulas e como ontem não tive, fomos para casa e decidi deixá-los dormir comigo apesar de ser quinta-feira. Combinamos jogar às cartas antes de dormir, duas partidas às orelhas disse eu, que já não havia muito tempo, e já estavam os dois de pijama, dentes escovados e sentados de pernas à chinês em cima da minha cama, quando da minha casa de banho os ouvi a combinar, o grande para o pequeno, se a mãe perder dou-lhe beijos, se perderes tu levas orelhadas, e o pequeno está bem, se for a mãe leva beijinhos mas se fores tu, coooooooçaaaaaaa!

26.9.11

Estreia

Meu dito, meu feito. Ainda dei duas voltas até atinar com a entrada, só depois percebi que mesmo assim não dei com a entrada, mas lá consegui estacionar num buraquito e fiz a caminhada até lá. Ao telefone com uma amiga a dar-me direcções descobri o edifício que queria e cheguei à sala que marcava o horário. Vazia. Sem surpresa, mas fiquei sem saber se o professor teria aparecido ou não, à hora que cheguei tinha tido tempo de se apresentar, os alunos também e de alegremente se terem todos despedido até à próxima aula. Vagueei pelos corredores e percebi a geografia do edifício. Tive tempo para um café e para ler mais um pouco do meu livro. Depois fui à cafetaria. Uma sopa, uma maçã e outro café. Na fila, duas miúdas com a cara pintada viraram-se para trás e perguntaram-se se era professora. Sorri e respondi que não, mas também não disse que era tão caloira como elas. Já cá fora, outra miúda perguntou-me onde era uma sala qualquer e eu, que já por lá tinha andado, dei-lhe instruções precisas para lá chegar, ela ficou a pensar que eu percebia daquilo a potes. Finalmente a hora da aula e eis que me aparece uma prof com idade já próxima da reforma, um ligeiro sotaque brasileiro, simpática, e cinco compinchas de turma. Meia dúzia de gatos pingados, literalmente. Introdução aos Estudos Literários, primeira obra: Capitães de Areia (ou será da Areia?) Gostei. Este livro nunca li, mas gosto de Jorge Amado. A frustração de não ter chegado a tempo do Inglês foi subsituída pela pontinha de entusiasmo dos Estudos Literários. Jorge Amado, bem bom.

Butterflies

É hoje. Não sei onde é o campus, faço uma pequena ideia para que lado fica e a estrada que tenho de fazer, mas não sei exactamente onde é. Diz que as aulas começam às cinco, mas às cinco nunca na vida lá estarei, se conseguir lá chegar às sete já será bem bom. Depois tenho de aprender a ler as siglas que constam no horário, lá diz CP1- C1/304 TP1, que para mim é tão compreensível como mandarim, e descortinar onde é a aula de Inglês A2. Estou ansiosa, admito. Sou antiga.

25.9.11

Velhos

Hoje vi o Sr. Lopes. Conheço-o desde que me lembro, era amigo do meu avô e frequentava a nossa casa. Hoje faz noventa anos, um homem de cair para o lado. Fato cinza escuro e uma gravata de cor indefinida numa camisa branca imaculada. Um metro e oitenta e cinco, no mínimo, de pura elegância, esguia e leve. Lavrador, sim lavrador, aqui diz-se lavrador, agricultor é palavra chique e aqui não há lavradores chiques. Há homens como o Sr. Lopes, lindos, magníficos, velhos e vividos. Há homens cuja palavra vale a própria vida, cuja honra está acima de tudo. Há homens humildes e dignos, trabalhadores honestos com as mãos cheias de calos e que sabem dar valor ao que têm. Havia, porque do grupo de amigos do meu avô, o Sr. Lopes é o último, o Sr. Miranda foi a seguir ao meu avô e resta o Sr. Lopes que era o mais novo. Dezanove anos mais novo do que o meu avô, lembro-me que ele dizia sempre, o Lopes é um rapaz novo, e eu ria-me, porque o meu avô é que era velho, aos noventa saía com putos de setenta.

23.9.11

O grande

Ontem fui com ele fazer o percurso de autocarro até ao Instituto Britânico, para ele aprender. Começa na próxima semana as aulas, às segundas e quartas, das cinco e meia às sete. Ensinei-o a ir de autocarro, o salão de estudo que ele frequenta fica mesmo ao pé da paragem, até ao centro da cidade e de lá, a pé, pelo passeio e sempre pelas passadeiras, até à porta do Instituto. Depois voltamos para trás até à paragem do autocarro que faz o percurso inverso. O plano é ele vir ter comigo ao escritório quando acabar a aula e vai comigo para casa mas, visto que eu também vou ter aulas e posso não conseguir alguém para o ir buscar, assim fica a saber também voltar de autocarro, caso seja necessário. Tinha combinado uma boleia do meu irmão para regressarmos, e enquanto esperávamos por ele, apareceu o autocarro. Mãe, deixa-me ir sozinho, deixa-me, é facílimo, eu sei onde tenho de sair, vá deixa-me, eu sei, não te preocupes. Hesitei. A sério, mãe, saio em frente à escola e vou para casa da avó, deixa-me. Deixei. Foi todo contente, como um homem. Quando cheguei a casa dos meus pais com o meu irmão já lá estava, satisfeitíssimo.

22.9.11

O pequeno

Chamo macacos aos meus filhos, e eles sabem perfeitamente que é um carinho. Macaquinhos, às vezes, também. O meu irmão de vez em quando também usa a mesma expressão, quando se quer meter com eles. No outro dia chamava por eles, onde estão os macaquinhos, onde? O grande, lixado, ai é? Se nós somos macacos, tu és um gorila! E o pequeno, de longe, calmamente, é, é um gorila... sem pila.

Faz hoje oito anos.

20.9.11

Permissão

Recebo um sms pouco antes das dez da noite, posso ligar? Deixei. O meu coração não disparou nem fiquei a tremer. Falamos e confirmei-lhe que entrei no curso que queria e que ao invés de ter sabido só o resultado ontem como estava previsto tinha recebido e-mail no sábado à tarde. Ficou contente mas não surpreendido, disse que nunca duvidou e deu-me os parabéns. Não é nada de extraordinário mas agradeci. São dez, tenho de deitar os miúdos, certo, certo, não te atrapalho, fica bem, obrigado por fazeres parte da minha vida. Manda-me email no dia do meus aniversário, telefona-me no dia em que sabe que saem os resultados do ensino superior, e faço parte da vida dele por lhe permitir estes pequenos nadas. E agradece-mo. Nesse momento soube serena e tranquilamente que é uma questão de tempo. Não mantemos contacto, desde que acabei com tudo que não lhe ouvia a voz, apenas me escreveu. Serão anos, não importa, mas é uma questão de tempo. Há-de aparecer-me alguém pelo meio, aposto, mas ele há-de vir, livre, e onde quer que eu esteja, com quer que eu esteja, desembaraçar-me-ei e serei dele. Simples.

17.9.11

Agri-doce

Recebi há bocado o email que me diz que fui colocada e estou contente. Claro que estou. Mas fixe, fixe teria sido ter pegado no telefone e ter partilhado, só que não posso, e estou triste. Claro que estou. Quando temos de guardar as alegrias só para nós, transformamo-las tristezas.

13.9.11

Ausência

À excepção dos meus filhos e de tudo o que a eles diz respeito os meus interesses resumem-se a praticamente nada, faço o que tem de ser feito para garantir o bom funcionamento da casa e à noite vejo televisão. Vejo sempre algo que não envolva esforço mental. Recuso simplesmente telejornais e debates. Vejo animais e máquinas ou polícias e agentes secretos em perseguições de automóveis e tiros e explosões. Ocasionalmente um filme, mas com filmes costumo adormecer. Vidinha interessante que eu tenho.

7.9.11

Saudade

Gosto do aroma e aproximo-me de quem estiver a fumar. Deixo fumar no meu carro e na minha casa desde que os miúdos não estejam. Mas fumar, não fumo, nem fumei mais desde há um ano. Faz hoje.

5.9.11

Momentos marcantes

A noção de que o meu filho mais velho ia começar a escola priomária foi um momento marcante para mim, depois quando começou o ciclo (acho que já não é assim que se diz) coincidiu com o início da primária do mais novo, outro momento marcante. Este ano o mais velho está no sétimo ano, inicia-se outro ciclo e eu sinto estas coisas. Mas choque mesmo senti quando percebi que as sapatilhas dele, que já não usa porque lhe ficaram pequenas, me servem. Que estalo, arrasou-me.

Grandes questões

Fui informada há uns meses que em Setembro poderia ter de ir a Paris reunir com um cliente americano que lá vai visitar uma feira. Se conseguirmos conciliar todas as agendas (a minha é a mais fácil, estou sempre aqui e vou para onde me mandarem) haverá reunião no nosso escritório de Paris. E de certeza que por causa desta possível viagem sonhei no fim-de-semana passada que o meu cliente me convidava para ir trabalhar com (não para) ele em Los Angeles, durante três estações, e o meu boss lambeu os beiços e esfregou as mãos (não tenho a certeza se por esta ordem) e quase que lhe vi cifrões nos olhos como o Tio Patinhas, pois isto implicaria eu orientar os produtos para a nossa empresa, fazer o desenvolvimento e acompanhar a produção. Do lado de lá. Esta brincadeira iria significar eu embolsar uma pipa de massa que me permitiria liquidar metade do meu calote ao banco. Pagava metade da minha casa. Tripei. Eu a sonhar e a passar-me da cabeça. O que é que eu faço? Três estações é mais de um ano, e os meus filhos? Não, não posso. E a massa? É muita massa. O que é que eu faço? E acordei e fiquei a pensar nisto, o que é que eu faria se me propusessem uma coisa assim? Algo que monetariamente valesse a pena mas que me afastasse dos meus filhos por um tempo considerável? O que é que eu faria. Pois hoje digo, com toda a certeza: não sei.

1.9.11

Vida

Ontem à noite fui buscar o edredon, tenho sentido frio. Já me tinha esquecido como é bom dormir nua, já me tinha esquecido que às vezes o meu corpo ganha vida própria.