17.4.14

Carta

Venho informar por este meio que tem de deixar o seu neto fazer as coisas que ele gosta. Eu soube por informação satélite que você andava a praticar esta atividade. Cumpra-a que assim é melhor para você.

Ass: M.A.P.
(melhores avós possíveis)


O meu pai recebeu ontem esta carta, que alguém meteu na caixa do correio, com a seguinte nota no envelope:

 "acabou o tinteiro, por isso está escrito a caneta"

Está bom de ver quem foi, não está?

15.4.14

Por onde andas

Não compreendo porque me olham como se eu fosse atrasada mental quando não permito que me fotografem em locais públicos. Como se ser fotografada nos bares e discotecas fosse o grande objetivo final de quem sai de casa. Toda a gente sabe que no dia seguinte, às vezes antes, todas as fotografias vão parar às redes sociais. Ora, eu, ainda acho que ninguém tem nada que saber onde é que eu fui, ou por onde ando. Ainda acho que se saio ou se fico em casa só a mim me diz respeito, e o local onde passo férias é da minha conta apenas. Basta que me vejam as pessoas com quem me cruzo quando saio. Essas estão concentradas nas suas vidas e não me ligam nenhuma. Não consigo perceber porque querem as pessoas revelar a todo o mundo tudo o que fazem, onde fazem e quando fazem. Ah, mas são coisas inofensivas, coisas que se podem saber, coisas banais. E depois? Porque raio quererei eu contar a toda a gente o que faço? Mais, para que querem as pessoas saber? Hoje em dia as pessoas não querem saber só o que interessa (será que querem mesmo saber o que interessa?), as pessoas querem saber o que não interessa para nada. Passam horas na internet a espiolhar a vida dos outros, a ver as fotografias (com legendas a explicar tudinho) para saberem o que fizeram, onde foram, com quem foram, tudo com autorização e incentivo dos próprios que adoram por tudo ao léu. Está tudo maluco, é o que eu digo. Tudo maluco. Mas eu é que sou a atrasada mental, porque quando lá vem o mocinho da máquina e se posiciona para obter o melhor ângulo, já com com o nariz encostado ao aparelho lhe digo: nem pense.

10.4.14

Grande

Veio de Barcelona a dizer que gostou muito e que não teve muitas saudades. Que ficava mais dois dias. Arrasou-me. Ontem quis ir ao cinema com um amigo. Primeira vez. Está a ficar grande. Mesmo grande, não é o grande que eu lhe chamava para distingui-lo do pequeno, é mesmo grande de grande, de crescido. Tenho de olhar para ele de outra forma, tenho de ajustar os olhos, mas acho que não conseguirei ajustar o coração.

3.4.14

Fui leva-lo ao autocarro que saía às 20:00h. Todo contente, nem quis que eu ficasse até o autocarro arrancar. Eu com um nó na garganta e um maçarico a queimar-me por dentro, meia dúzia de pedras no estômago e agulhas nos intestinos, mas com um sorriso nos lábios. Fui neste estado merdoso para a aula de Literatura Portuguesa, e mais ou menos a meio do caminho, já sentia náuseas. Raios partam quem decidiu meter os putos num autocarro em vez de num avião esticou as duas horas de agonia até uma noite inteira de falta de ar. Mandou-me há bocado uma foto, a fazer peito, grande como um homem. Não estou nada cansado, mãe. Isto é espetacular. E pronto, assim se arruma uma mãe preocupada. Assim se desaperta (um bocadinho de) um coração. Simples.