30.9.09

Sangue

Hoje fui tirar sangue. Corrijo, tiraram-me sangue. Para analisar uma série de coisas. A tal investigação sobre a minha insónia. Era bom se se pudesse analisar outras coisas além do colesterol, da diabetes, etc... Era bom se se pudesse pôr por escrito em linguagem técnica, com os valores encontrados e tal como no resto, com os devidos limites inferiores e superiores, as outras cenas que nos estão no sangue. Aquelas que só mostramos em situações limite e aquelas que no quotidiano nos saem sem esforço ou delas ter consciência. E era giro se estivessem escarrapachadas no B.I. Ai que agora já não é B.I. É outro cartão, que como ainda não tenho não lhe conheço a denominação exacta. E assim, quando alguém nos pedisse a identificação ficava a saber, além do grupo sanguíneo (nem sei se já lá está, no novo cartão) de que é que somos feitos. E podíamos puxar do cartão para mostrar a nossa "raça". Depois era ver a malta a discutir e a sacar dos cartões para provar as merdas. Ou então ver os gajos (e/ou as gajas) a mandar os cartões para cima da mesa, tipo jogo de poker e a ver quem tem os melhores valores para "ir a jogo". E assim não havia surpresas quanto ao carácter de ninguém. E depois mandávamos todos os maus carácter para um sítio muito longe, de onde não pudessem voltar. E depois juntavam-se as pessoas de acordo com os valores similares, era muito mais fácil fazer amigos. E depois as pessoas tinham relacionamentos de acordo com o "match" do cartão. Em vez de ir ver o horóscopo vai-se comparar o cartão. E depois fazia-se análises todos os anos para manter a informação correcta. Comparticipadas pelo estado, claro, que depois também não cobrava pela actualização do cartão. E depois em vez de 3 ou 4 horas de espera para ir fazer ou renovar o cartão tinhamos 3 ou 4 semanas, ou meses... Era bem, não era?

Questão importantííííííííííííííssima....

Estou mais gorda. Acumularam-se 2 quilos na barriga, ancas, coxas, rabo e mamas. Mais ou menos uniformemente. Há uns tempos atrás este peso a mais seria um problema, contudo agora hesito. Se a barriga, as ancas, as coxas e o rabo não precisavam de nem mais um grama, muito pelo contrário, as mamas estão muito melhores. Redondas, enchem o soutien, um miminho. Se faço dieta as medidas voltam ao normal, e o raio das mamas voltam a desaparecer. Não sei... é uma questão importantíssima na vida duma gaja. Como tal requer grande reflexão...

29.9.09

As you are

What do you prefer?

Ao telefone com o S. sobre uma amostra que lhe mandei.

S: What is this sample you sent me?
Eu: You remember that when we went to the factory they were producing the same quality but with a thinner yarn. This sample is the first trial after adjusting the machine to a thicker yarn.
S: What do you prefer?
Eu: I prefer as the original sample, ours is too soft.
S: What do you prefer? Thick or thin?

Experiência

Resolvi experimentar. Decidi ajudar. Deitei-me por volta das 00:30h, tinha tomado o comprimido às 23:00h. Não liguei a televisão nem peguei no meu livro. Apaguei a luz e fiquei quietinha. Pensei: vamos lá ver o que vai acontecer. Sentia algum frio, não muito, só um pouco de desconforto. Deixei-me estar. Não me mexi, nem um milímetro. Rapidamente o meu corpo aqueceu. Primeiro as mãos, depois os braços, e só a seguir as pernas e os pés. No silêncio, de olhos fechados, o meu corpo relaxado, quentinho e a minha cabeça ainda a mil. Nem ponta de sono, desperta, completamente alerta. Atenta a todas as sensações. Não me lembro de tal situação, é que ou estou já meia grogue de sono quando me deito na cama depois de já ter dormido 1 ou 2 horas no sofá, ou estou enervada e ligo a televisão para anastesiar, mas tanto a cabeça como o corpo estão despertos. Assim foi diferente, obriguei o corpo a ficar quieto, coisa que nunca tinha feito. A cabeça, gostaria muito de a poder desligar mas nesse aspecto ela é uma perfeita insubordinada.

28.9.09

Barbaridades

Fui ao médico hoje. À médica, para ser exacta. A senhora não é lá muito simpática, o que não me faz diferença absolutamente nenhuma. Prefiro médicos competentes a médicos simpáticos. Ouviu-me com atenção, fez algumas perguntas e inseriu as respostas no computador. Disse-me finalmente que estou a fazer tudo mal. Enumerou uma série de coisas que não se devem fazer à noite porque perturbam o sono. Ora, eu faço-as todas, e mais algumas que já não me apeteceu contar-lhe, porque de certeza que perturbam o sono e como todas as que ela enumerou eu confirmei que eram meu hábito, achei que já era demais. Perguntou-me depois se aconteceu alguma coisa comigo ou na minha vida que pudesse ser a causa da insónia. Respondi-lhe que sim, mas que já não. Sim, aconteceu, mas já não será a causa da insónia. Só porque já é passado e porque tive entretanto 3 semanas de férias que normalmente resolveriam o problema do cansaço, por exemplo. Ou seja, não faz sentido que eu tenha tanta dificuldade em adormecer. Pois muito bem. Tenho uma boa meia dúzia de papéis onde se podem ler pedidos de análises ao sangue, imagino a tudo o que for possível analisar no sangue, além de um electrocardiograma, mais um raio X ao tórax e uma mamografia. Vou andar ocupada nas próximas semanas, está visto. Queremos certificar-nos que as causas da insónia não são físicas, disse-me ela. Ok, pensei eu. Tem lógica. Fiquei a saber que a tiróide pode provocar insónia e uma anemia também. Aprendi qualquer coisa, vá lá. Receitou-me uns comprimidos de uma coisa natural chamada raiz de valeriana, para ajudar a regular o sono só até termos os resultados daquilo tudo. Estranhamente não me disse para tentar reduzir aos mais de 20 cigarros que fumo por dia, nem aos mais de 6 cafés que bebo por dia, nem deixar de ler e ver televisão ao deitar, as coisas que erradamente faço e que ela começou por enumerar. Achei muito estranho, todos os médicos que me passam pela frente invariavelmente me desancam quando admito as barbaridades do tabaco e do café. Ela não. Nem um pio, nem uma expressão de reprovação. Esta médica é das minhas, vai esperar pelos resultados dos exames e das análises e aí sim, vou levar uma ensaboadela daquelas valentes, e o pior é que ela me vai esfregar com as provas no focinho. Vai ser bonito.

Escape

27.9.09

Mais uma

conclusão a que chego sobre mim, que se verifica estar correcta. Nunca fazer seja o que for tendo dúvidas. Só quando tenho a certeza é que sei que não me vou arrepender. E como conheço bem as minhas fraquezas, há momentos em que nem sequer me chego perto da mais remota possibilidade delas virem ao de cima. Se não me sentir em forma, não vou a jogo. Não vou onde me sinta em desvantagem logo à partida. Ou as condições são semelhantes ou nem vale a pena jogar.

26.9.09

Amateurs...

«Ain't we all?...»

You don't get to say you're sorry

"You don't get to say you're sorry, cause you'd only feel better. And you don't get to feel better"

Pede-se desculpa para que fique tudo bem, para que nos perdoem ou pede-se desculpa apenas para aliviar o peso da culpa que se tem dentro do peito? Eu apostaria que 90% das vezes em que se ouve a palavra, o objectivo é o segundo. Quantas vezes o fazemos porque nos sentimos mal, e o que a outra pessoa sente nem nos ocorre? Quantas vezes o fazemos mesmo porque não queremos que a outra pessoa não fique zangada ou magoada, porque nos preocupamos com o sofrimento que causamos? E quantas vezes dizemos que foi sem querer? Adianta alguma coisa vincar bem que foi sem querer? Apaga o acto? Dói menos se for sem querer? Vou continuar... Somos crianças? Somos tolinhos que não pensam no que fazem? A esses, damos-lhes o devido desconto. Mas gente adulta e inteligente não se pode dar ao luxo de dizer que foi sem querer. Gente adulta tem de pensar naquilo que faz. Tem de estar atenta àqueles de quem gosta. Tem de pensar nas consequências. Seria bom se fosse possível dizer: Ok, esta não valeu, vamos lá começar tudo de novo outra vez. Isso é que era bom. Mas não é assim que funciona. Actos ou palavras impensadas acarretam consequências. Há quem consiga lidar com elas, e por muito que custe, aceitá-las e seguir em frente. Outros há que se portam como tolinhos. You fools...

24.9.09

Preço

Ainda não chegou à garganta. Vai demorar algum tempo ainda. Estou preparada.
Ela vem aí, eu sei, e vem com força, também sei. Só não sei porquê. Porquê agora? Porque não veio mais cedo? Porque não espera mais um pouco? Eu sei que não adianta empurrá-la mais. Agora tem de sair. Eu percebi os sinais, estão todos a aparecer. O tom de voz mais alto sem necessidade, o mau-estar sem motivo aparente, as reflexões impulsivas, a falta de sono. É evidente, tudo tão evidente. Quem me mandou ser tão racional, tão controlada? Ninguém. Achei que era melhor assim. Foi, na altura foi. Agora pago a factura. Tudo na vida tem um preço.

Tiros

São tiros na minha direcção. Ninguém topa, só eu. E se calhar é só impressão minha, mas há momentos em que apanho alguém a olhar para mim e parece que o olhar que me atravessa. Disfarço, finjo que não vejo, que não percebo. Não gosto, incomoda-me, mas isso também só eu é que sei, de outra maneira seria dar importância a uma coisa que não tem importância nenhuma. Então porque escrevo sobre isto? Porque é simplesmente absurdo que tiros estejam a ser disparados, não é suposto, nem agora, nem aqui, nem na minha direcção. Só isso.

21.9.09

Bola de cristal

Era de prever que o dia hoje não corresse lá muito bem. E não correu.
Qualquer dia compro uma bola de cristal, pouco mais me falta para ser bruxa.
Também não tenho a verruga no nariz, mas o sinal faz quase o mesmo efeito.

Entre outras coisas

As outras coisas.
São coisas sobre as quais não escreverei, mas sobre as quais te poderei falar, apenas quando a geografia permitir que tu sintas a minha respiração no teu pescoço e que o teu suor se misture com o meu.
2:38h
Faltou pôr isto cá fora.
A ver se é desta.

Está mal!

Está mal! Esta merda está mal. São exactamente 1:39h e eu aqui a escrever, porque tentar dormir com a puta da cabeça a mil, não dá! Entre outras coisas, pensar que tenho de me levantar às 7:00h e tratar da rotina matinal diária, deixar os putos na escola a tempo e horas que este ano a coisa pia mais fino, não dá para facilitar, depois ir buscar os clientes ao hotel, levá-los para o escritório, gramar com eles todo o dia, isto sem pensar que vai ser a semana quase toda, ainda por cima gente que não percebe nada da poda, enerva-me! Enerva-me porque por causa destas merdas todas já devia estar a dormir. Pois devia. E quanto mais penso que já devia estar a dormir mais me enervo. E quanto mais me enervo, menos são as possibilidades de adormecer nos próximos minutos. E quando todas as tentativas possíveis para tentar adormecer já foram tentadas e falhadas, o que faço? Levanto-me, venho para a sala, acendo um cigarro e já que aqui estou, enquanto fumo, ponho esta merda toda cá fora transformando-a em letras, palavras e frases. Que ainda deve ser o mais eficaz, fumar e escrever para acalmar. Já apaguei o cigarro, 1:47h, ainda não tenho sono! Assim como assim, a melhor ideinha que tive nos últimos tempos foi ter marcado uma consulta para a minha médica de família, que é daqui a uma semana. Espero que a mulher me ponha mesmo a dormir. 1:49h. Ok, vamos lá tentar outra vez.

19.9.09

Nota mental III

Reality. It's so much more interesting than living happily ever after.

Daqui não levas nada

Jovem, és gaja? Queres divertir-te à grande? Queres dançar ao som de música decente? Não pretendes engatar nenhum gajo nessa noite? Então vai a um bar gay. É limpinho. Não falha.
Ontem fui a um muito bom. Conheço outros mas este foi o "top of the top" Ouves música gay, mas não contes com a Gloria Gaynor, tens New Order e R.E.M. Depois, 90% dos gay são homens e vi meia dúzia de casais heterossexuais de meia-idade a curtir a música e a dançar sem preconceitos. O espaço é despido de paneleirices, aconchegante e a fugir para o exótico, só um bocadinho, sem exageros. Pode-se fumar mas é bem arejado, e a temperatura da sala é a ideal. Em suma, uma noite muito bem passada, na companhia de amigos gay (isto é óbvio, senão como é que eu iria lá parar?) É certo que é um nadinha confuso, muito homem descaradamente gay, e também muitos que estivesse eu noutro sítio qualquer e juraria que "não, este não, este é macho". Mas nada de ilusões, dizia um dos amigos, "daqui não levas nada" entre gargalhadas. Não interessa, pelo menos enchi o olho, era cada um mais giro que o outro, porra! Ah, e também ouvi um elogio que me fez corar (coisa rara hoje em dia, eu corar) mas vindo de um gajo assumidamente gay, não conta.

18.9.09

Too narrow

(Eu estou ao volante, o S. ao meu lado. O S. é israelita, e tanto falamos em francês como em inglês, às vezes tudo misturado com algum português, ele já vem a Portugal há mais de 10 anos)

S: Go ahead, why don't you go?
Eu: There's no point, don't you see I'll turn right over there? It's too narrow, there's no angle!
S: Come on, you can go!
Eu: Tás burro ou quê? No way, I can't get through! Não consigo meter, não vês?
S: Vaseline, do you know?

17.9.09

Buttons

16.9.09

António Feio

Digam-me o que disserem, este homem é um charme. Nesta fotografia em particular está com ar de "esgazeado" o que lhe fica a matar. Vi-o a primeira vez ao vivo cá na terra, depois de ter visto a peça (não me lembro do nome exacto) em homenagem aos Monty Phyton. Lá estava ele a beber um copo depois da peça. Emanava calma e descontração. Por coincidência à saída cruzei-me com ele, dei-lhe os parabéns, ele agradeceu humildemente. Além de achar que é dos melhores profissionais da sua área, tenho-o como um homem sábio, calejado, vivido. E deve ser. Há pouco mais de um ano encontrei-o numa discoteca no Algarve. Abordei-o e estivemos à conversa uns minutos. Simpatia, gentileza e nem uma pontinha das merdices típicas dos "famosos". Confirmei as minhas suspeitas. O homem é a personificação do charme. Uma maravilha. Na discoteca perguntei-lhe o nome do duende de um dos sketches da peça, não me conseguia lembrar. Ele próprio também já mal se lembrava, mas fez o esforço e rimo-nos os dois às gargalhadas: Salsifré, o duende. Nome ridículo e genial, concordamos. Nunca mais me esqueci.

Terapia

Vou fazer marmelada. Vou comprar os marmelos. Pode ser que me acalme. Deverá funcionar. Todos os anos faço quilos de marmelada, adoro. Não que aprecie muito o doce em si, mas gosto das horas que passo na cozinha, a preparar tudo, a vigiar a panela, a sentir-lhe o cheiro à medida que vai cozendo e a companhia que me fazem os putos, a borboletar à minha volta a querer ajudar. É um evento. É uma delícia. Não demora muito faço marmelada, e que não demore muito a fazer efeito.

15.9.09

13.9.09

Diva

A voz destacou-se das outras. Era suave mas límpida. Não era estridente, contudo destacava-se das outras. Olhei a tentar descortinar a dona daquela voz. A figura também se destacava das outras. Alta e esguia, elegante. O cabelo grisalho apanhado na nuca, ligeiramente ondulado. A pele, morena e as rugas, profundas. A cabeça inclinada para trás, o pescoço esticado para melhor sair a voz. Desdentada, 2 ou 3 dentes naquela boca, que indiferente à falta deles cantava. Imaginei-lhe as mãos, imaginei-as grossas e endurecidas pela enxada e pela terra. Depois vi-as e eram finas, delicadas. A saia direita azul marinho, austera, a contrastar com o azul turquesa e branco das riscas da blusa, a cor garrida talvez uma nota de alguma irreverência. E cantava, cantava com a expressão que só um punhado de pessoas tem, a expressão de quem canta com amor. Cantava como se não houvesse amanhã. E voltei a perder-me na minha imaginação. Aquela mulher tinha o porte de uma actriz de cinema. Tinha o porte de quem poderia ter sido tratada como uma diva, como uma princesa. Teria um sorriso perfeito, teria a pele bem tratada e maquilhada, teria as melhores roupas e as melhores jóias. O porte e a elegância, esses não seriam adquiridos, ela já os tinha. Mas pergunto-me, teria sido mais feliz?

You (only) get what you give

E se de repente?

Pensas que até seria porreiro reunires os amigos este ano. Afinal o contexto mudou, mas tens a noção que mantiveste o núcleo duro dos amigos. Ok, resolves então juntar a malta toda e este ano até comemoras o teu aniversário. Tudo muito bem. Telefonas aos que não vês todos os dias e marcas o restaurante. Entretanto sugerem-te que não leves o teu carro, que te dão boleia e aceitas porque provavelmente até te vai apetecer beber uns copos e calha bem. Vão buscar-te a casa, e vais. Depois descobres que não há restaurante nenhum, que trataram da comida e da bebida, que decoraram a sala, só para ti. Estão lá todos (menos 2 que à ultima da hora tiveram um imprevisto) à tua espera. E trataram de tudo em segredo, para ti. Ao ponto de um deles se infiltrar em tua casa para levar para lá a tua música. E em vez de um restaurante onde se conversa apenas com as 3 ou 4 pessoas que estão sentadas ao pé, estivemos todos juntos, mesmo juntos, num sítio só nosso. E em vez de depois nos separarmos em vários carros na direcção de um qualquer bar onde mais uma vez se convive com meia dúzia de pessoas do grupo de cada vez, depois daquele incompreensível compasso de espera típicamente português que tira a pica a qualquer pessoa com mais de 30 anos, começamos a dançar logo que nos apeteceu ao som de música que todos gostamos, mas que eu gosto principalmente. O melhor de tudo foi que todos nos divertimos que nem uns pretos, comemos e bebemos, dançamos e fumamos, abraçamo-nos e beijamo-nos, rimos uns com os outros e uns dos outros. Todos espontâneos, todos verdadeiros. E aqui a menina pensa nisto tudo e olha para si e para a sua vida e percebe que se tiver a lata de se queixar da sua vida alguém lhe deveria dar imediatamente dois pares de estalos. Porque se olhar à volta só tem de estar é contente. Aqui a menina tem saúde, tem amigos verdadeiros, tem uma profissão que a realiza, não tem de contar os trocos para pagar as contas, tem uma família que a apoia, tem 2 filhos saudáveis e equilibrados, tem uma casa confortável. Ou seja, não pode queixar-se da vida, porque se o fizer, além de estar a ser parva, estará a insultar milhões de pessoas.

12.9.09

Puzzle (parte 3) Identidade

Agora a parte que não tem nada de óbvio, pelo menos para mim. Há um expressão em inglês que vou utilizar aqui, porque é perfeita. "To draw the line" mas onde? Qual é o ponto onde ser tolerante choca com a nossa identidade? Deveremos ser tão completamente tolerantes que deveremos gostar de toda a gente, ou não detestar toda a gente? Terei de aceitar "TODAS" as diferenças? Mesmo as que me revoltam e me dão a volta às tripas? Não serei desta forma uma imbecil que não gosta nem desgosta de nada nem ninguém? Até que ponto posso gostar e detestar com convicção sem deixar de ser tolerante? Sempre admirei gente com convicções, com paixões, com garra. Nunca os vi como intolerantes, não tem nada a ver. E aqueles que não sabem se gostam ou se não gostam, que não se entusiasmam com nada, nunca tiveram para mim qualquer interesse, não têm identidade porque não se identificam com nada. Onde é que está o limite? Where do I draw the line? Onde acaba a identidade e começa a tolerância? E como identifico a intolerância? O que me fez "acordar" foi a fúria. Poderá o indicador ser a fúria? A fúria leva à violência. Quando me sentir invadida pela fúria, quando tiver vontade de agredir devo considerar que é aqui que começa a minha intolerância? É neste ponto que recionalizo e controlo a fúria? Isso é fácil, mas e depois, já sou tolerante? Só porque não agrido sou tolerante? Nada disso. Eu acho que agredir é muito mau, contudo ter vontade de agredir é também muito mau. E eu tenho essa vontade, controlo-a facilmente, isso consegue-se com treino, é possível trabalhar o controlo da fúria. Contudo o que acho que nunca conseguirei mudar é a forma instintiva como a sinto crescer dentro de mim quando me deparo com determinadas situações. Dispara automaticamente e isso penso que nunca conseguirei controlar. Isto leva-me então a pensar que não se trata de manifestação de fúria, mas sim da existência dela dentro de mim ou não. Neste caso, será a tolerância uma coisa instintiva? Se eu aceito pacificamente sou tolerante, mas se eu tenho de controlar a raiva já não sou tolerante? Ou a tolerância é uma coisa que se trabalha, assim como o controlo da fúria? Ou vem-nos de dentro instintivamente? Se verbalizo a raiva não sou tolerante, se a controlo sou tolerante. Eu sou os meus instintos e também sou o meu conhecimento que me permite controlar os meus instintos. Tudo misturado. A identidade é a proporção. Essa proporção vai mudando ao longo do tempo, menos de instinto e mais de conhecimento ou menos de conhecimento e mais de instinto. Where do I draw the line?

Puzzle (parte 2) Tolerância

Verifico assim que não sou uma pessoa tolerante. E não reajo muito bem a isto. Terei andado enganada este tempo todo em que pensei que era tolerante? Enganada talvez não, mas inconsciente sim. Inconsciente. E também reajo mal a isto. Tomar consciência de uma característica nossa que não é motivo de orgulho é uma chamada à Terra que não é nada agradável. Esta é a parte óbvia.

Puzzle (parte 1) Fúria

Andei ontem todo o dia a pensar. A pensar que tinha de por isto cá fora para melhor reciocinar sobre o assunto. Ajuda-me escrever (falar também) porque analiso o meu raciocínio e entendo-o. Clarifica-me as ideias, situa-me. É que os pensamentos andam aqui às voltas a alta velocidade, e para conseguir organiza-los de forma minimamente lógica tenho de fazer uma espécie de pausa, po-los a circular mais lentamente e ir agarrando cada um deles e coloca-los como se fossem um puzzle, na devida ordem, numa superfície lisa e ampla. Esta superfície tanto pode ser uma conversa como pode ser um texto. Então andei eu ontem todo dia com a questão a dar-me a volta ao miolo. Todo o dia. E não tive oportunidade de fazer o meu puzzle. Estou a construi-lo apenas agora. Achava eu que era uma pessoa tolerante, mas não sou. Tive já várias vezes a experiência de sentir a raiva a crescer dentro de mim, sempre direccionada ao mesmo tipo de pessoas. Não, não creio que seja racismo. Irritam-me profundamente, ao ponto de sentir uma fúria capaz de se materializar num murro, tivesse eu essa possibilidade e deixasse eu essa fúria tomar conta de mim, pessoas que criticam ou ridicularizam outras pessoas, ou seja que não são tolerantes e as julgam por qualquer motivo, seja ele qual for, não interessa. Mas são diferentes e isso por si só constitui motivo suficiente. Observar este tipo de situação perturba-me de uma forma visceral. Outra coisa que me dá cabo do sistema é ver pessoas que só porque parece mal não fazem determinadas coisas, que até lhes apetece muito, até lhes iria dar um gozo tremendo, mas só porque parece mal não fazem. Coisas simples, muito simples. E quanto mais simples são estas coisas mais me irrita. Esta expressão "parece mal" agonia-me. E mais do que se pensa está enraizada no interior de muita gente. É uma coisa que me transcende, a condicionante do "parece mal". As pessoas vivem limitadas pelo "parece mal" e são incapazes de fazer seja o que for que pareça mal. Estes são, então, dois tipos de pessoas que me enfurecem. As pessoas para quem ser diferente é motivo suficiente para a crítica e as pessoas que se regem pelo "parece mal".

10.9.09

Javier Bardem























Não sendo nada giro, consegue ser dos gajos mais giros que por aí andam. É óbvio não é? Não é à toa que sacou a Penelope Cruz, que convenhamos, depois de um pardalito chamado Tom Cruise, quando caiu nas garras deste falcão, deve ter pensado que morreu e foi para o céu. Só pode!

Não vale a pena

Não vale mesmo. Com a música é a mesma coisa. Gosto de filmes como "O Amante" e "O cozinheiro, o ladrão a mulher dele e o amante dela", e depois também gosto mesmo muito de filmes assim como este. Não dá para perceber... eu já desisti. Há muito.

9.9.09

Um a um

Veste uma camisa.
Quero desapertar-te os botões, um a um, devagar.
Quero ver a tua pele a surgir.
Cada centímetro da tua pele.

Trazes?
Uma camisa vestida?
Para eu ta despir?

Essência

Acho fascinantes as várias maneiras de ser. As várias formas de estar na vida. Há quem seja autêntico ou transparente e há quem seja mais misterioso. A natureza humana, nas suas mais diferentes expressões é para mim, das coisas mais interessantes que há. Sempre gostei muito de observar as subtilezas, as “nuances”, sejam elas naturais ou construídas. Gosto de analisar, de tentar perceber pela expressão facial se as palavras estão em concordância com o pensamento. Melhor ainda, se as palavras estão em concordância com os actos. Há pessoas que disfarçam muito bem, há outras que não conseguem disfarçar. Assim como na escrita. Há também subtilezas e subterfúgios, alguns espontâneos e outros fruto de algum esforço. Há quem escreva exactamente a mensagem que pretende passar, e há quem tenha a intenção clara de baralhar, de confundir. Mas aqui há acima de tudo a preocupação de nunca poder vir a ser imputada qualquer responsabilidade por aquilo que se escreve. Não deixo de pensar que existe um esforço, uma construção cuidada do discurso com esse objectivo. E considero que, a percepção deste propósito é tão reveladora quanto a mensagem. Haverá alturas em que será até mais, será talvez a essência da mensagem.

Sono

O que pensar de alguém que quer durma 3 horas quer durma 9 horas precisa que o despertador toque 5 vezes até que se levante?

8.9.09

Transparência

A minha amiga, sendo tão diferente de mim tem a capacidade, por isso mesmo, de me analizar friamente. Disse-me este fim de semana que eu arquivo. "Tu arquivas muito" repetiu ela. Estavamos a discutir o efeito "boomerang", que tudo o que fazemos de mal acaba por cair-nos na cabeça. Acaba por nos ser devolvido, e de haver pessoas que têm a tendência para pensar que isso só acontece porque alguém lhes deseja mal. Do ponto de vista dela, essas pessoas sentem-se mal com algo que fizeram. A consciência pesa-lhes por qualquer motivo e quando têm contrariedades na vida, automaticamente vão buscar essa "pedra no sapato" e relacionam-na ao acontecimento infeliz. Eu disse-lhe que isso não me acontecia. Expliquei-lhe que nunca tinha atribuido as coisas más que me aconteceram a ninguém. Não me considero nenhuma santa, já fiz merda e já pedi desculpa por isso. Ainda faço merda, claro que faço, e peço desculpa. (Apesar de achar que pedirmos desculpa serve basicamente para nos sentirmos melhor, mas isso é outra história). Contudo não fazia essa tal ligação das coisas más a ninguém. "Isso é porque assumes as tuas responsabilidades" respondeu-me. Olhei-a sem atingir a coisa. "Tu assumes aquilo que fazes, bom ou mau. Assumes a respondabilidade dos teus actos. Assim como não responsabilizas ninguém pelas coisas más, atribuis os erros a ti própria, também não deixas por mãos alheias a tua felicidade e fazes o que tens a fazer. Depois, estando tudo resolvido arquivas. Não cismas. Está resolvido, arquivas" E eu tive a sensação de ser completamente transparente. Ela vê através de mim.

Legitimidade

O meu pai é o único gajo que me deita abaixo. Só ele o consegue fazer. Só ele, mais ninguém. Só a ele reconheço legitimidade para o fazer. Talvez porque ele é igual a mim. Temos uma diferença: enquanto eu admito isto, ele não. Sempre tivemos uma relação conflituosa, sempre a medir forças. Talvez por sermos tão parecidos. Nunca recebi dele um elogio, fosse pelo que fosse. As boas notas não eram mais do que a minha obrigação. O sucesso profissional não foi mais do que básica aplicação das faculdades adquiridas na escola. A construção de uma família equilibrada não foi mais do que uma mistura de sorte e boa educação. A ruína do meu casamento foi da minha responsabilidade e paradoxalmente, no seu ponto de vista a minha obrigação seria de engolir em seco e continuar. Só porque sou mulher. Ele, no meu lugar teria feito a mesma coisa, mas sendo homem é-lhe permitido. A mim não. Mas ao perceber que mesmo contra a sua vontade eu avancei com a minha decisão, interiorizou que afinal, não é mau ver-me tão parecida com ele. Ele que pensa em tudo, ele que medita tanto e que quando toma uma decisão não volta atrás. Quando percebeu que era isto que estava a acontecer, que era uma decisão pensada, repensada e sem qualquer possibilidade de ser revertida, eu sei que no fundo gostou, não o admitirá nunca, mas gostou de ver.

7.9.09

Sacana

Não tenho jeito nenhum para vítima. Não tenho nem nunca tive. Aprendi muito cedo que ninguém vai fazer nada por mim. Aprendi que se eu não me fizesse à vida, a vida simplesmente não iria ficar à minha espera. E eu não ia ficar a ver a vida passar. Comecei por bater de frente com o meu pai e deitei por terra todas as expectativas por ele criadas. Azar. Fiz o meu caminho e dei com a cabeça na parede. Aprendi. Faz parte. Mais tarde também aprendi que se adoptasse outra postura relativamente à minha vida teria muito mais sorte. As pessoas gostam de vítimas. É assim, gostam dos coitadinhos, estão sempre prontos para ajudar os coitadinhos. Já dos sacanas ninguém gosta. Aos sacanas todos lhes viram as costas. Contudo entendo que se as minhas opções foram feitas livremente, não faz sentido queixar-me se as coisas correm mal. Assim como tomei as minhas decisões sozinha, os meus problemas são para resolver sozinha. Não faz sentido queixar-me de situações das quais eu sou a única responsável. Só tenho de as resolver. Assim sendo tratei de as resolver mesmo arriscando-me a ser uma gradessíssima sacana. Antes sacana do que coitadinha.

Depende

Umas vezes sou directa, outras vezes dou a entender, às vezes não percebo e outras ainda que apenas finjo não perceber.

6.9.09

6 de Setembro

Hoje é um dia igual a todos os outros. Não sinto nada de diferente, não noto nenhuma mudança nem pressinto que mudança alguma esteja para acontecer assim de repente. Não me sinto mais velha do que ontem, nem do que no mês passado. Não tenho necessidade que este dia seja diferente. Não sinto o desejo de fazer nada diferente do habitual. Nem acho que seja preciso só porque faz hoje 34 anos que eu nasci. E depois? "What's the big deal?" Irrita-me um bocado que se dê tanta importância aos aniversários das pessoas. Irrita-me porque não valorizo toda a cena dos presentes de aniversário. De receber prendinhas a torto e a direito. Ok, são gentilizas, miminhos, o que lhes queiramos chamar. As minhas amigas e eu temos um sistema porreiro. Juntamo-nos todas e contribuimos com determinado valor quando uma de nós faz anos, e como dá um valor já considerável, compra-se à aniversariante um presente de jeito, seja uma jóia, um relógio ou uma utilidade qualquer que a própria não compraria sozinha. Assim acho bem a cena dos presentes. Não é pelo valor, é porque é apenas 1 presente e é algo que realmente se aprecia ou algo de útil. Há, além disso, aquela psicose dos telefonemas ou mensagens a dar os parabéns. Já recebi vários telefonemas hoje, é bom. Os amigos lembram-se, não vou dizer que não gosto. Já recebi várias mensagens, a primeira foi às 00:01h, e tive o cuidado de retribuir as mensagens agradecendo o carinho. Contudo tenho amigos e amigas também que me telefonam só para perguntar se está tudo bem, em qualquer dia da semana. Não preciso de fazer anos para que os meus amigos se lembrem de mim. Mas, que fique bem claro, e é também isto que me irrita, ao contrário de muito boa gente, não levo a mal nem fico chateada nem coisa que se pareça, com quem não se manifestar, quer seja porque se esqueceram, quer seja porque não se lembraram. Não fico. É igual, sei que gostam de mim todos os dias, e não se lembram de mim só no dia dos meus anos. E chega-me.

5.9.09

Pipocas

Gosto muito de provérbios e expressões pre-construídas. Mesmo que os provérbios sejam antigos e as expressões pirosas, gosto. De tal maneira que me saem, quer dizer, ocorrem-me naturalmente, como se fossem pipocas a saltar da panela. Não consigo evitar, vêem-me à cabeça, independentemente do contexto, ou da situação em que me encontro. Também me ocorrem quando estou a descrever alguma coisa ou alguém. Sai-me sempre uma que se enquadra, que tanto pode ser sóbria e contribuir para a compreensão e análise da cena, ou pode ser completamente abandalhada e destruir qualquer esforço para manter uma conversa séria. Ou seja, fazem parte do meu dia-a-dia. Quer quando falo, quer quando escrevo. E também quando penso. E tenho-as em várias línguas, claro, em todas as que falo (que não são muitas). Algumas consigo traduzir para português, outras nem por isso. Há também uma coisa a que chamo "top 10" onde constam as que saltam cá para cima mais vezes. Mas tal como por exemplo nos discos, o meu top 10 vai variando. O meu, de acordo em partes iguais com, o meu estado de espírito e com o que me rodeia. E assim, divulgo a vencedora deste verão:

"What you see is what you get"

P.S. Lamento mas não consigo traduzi-la sem que se torne ridícula.

4.9.09

Dicionário

Objectivo:
Sincronizar: tornar simultâneo

Detalhado:
Sintonizar: (sintonizar dois circuitos) fazer com que os períodos próprios de oscilação dos dois circuitos sejam os mesmos

As palavras revelam de alguma forma algo sobre quem as escolhe.

Blended

Não sei se a causa é o efeito ou se o efeito é a causa: se não durmo porque penso que sinto o cheiro, ou se penso que sinto o cheiro porque não durmo.

3.9.09

Quando a realidade supera a ficção

Ok, ok, o Dr. House é muito fixe, é cool, é politicamente incorrecto, etc... bla bla bla, um sucesso.

Depois de ter visto uma entrevista bastante intimista que fizeram ao actor, quer-me parecer que o homem, um senhor chamado Hugh Laurie, é muito, mas muito mais interessante que o personagem. Com a vantagem de ser tão giro como ele.

Absurdo

Para mim é absurdo que pessoas em posse de uma informação que, não fazendo a menor ideia se é correcta e não se dando ao trabalho de a confirmar, partam do princípio que o é, lançando assim a confusão. Em coisas banais que podem à primeira vista não ter importância nenhuma, tanto como em coisas importantes que podem vir ter consequências graves. Não têm sequer o bom senso de dizer que acham ou que não têm a certeza. Afirmam que é. Assim. Com a maior das descontracções. Absurdo.

2.9.09

O Tasco e os cheiros

Passei parte da minha infância no tasco dos meus tios. Era um tasco daqueles onde se espalhava serrim no chão quando chovia, o chão era de cimento, mas vermelho. Tinha um balcão minúsculo preto onde tanto eu como o meu irmão aprendemos a andar. Num canto havia 3 pipas de vinho enormes (pareciam enormes para quem tinha 3 ou 4 anos).
Que aventura era tentar trepar as pipas, só bem sucedida quando algum adulto se dispunha a emprestar as mãos para ajudar na escalada. Lembro-me perfeitamente da perspectiva que eu tinha das minhas botas de borracha a derraparem nos aros de metal das pipas, enquanto esticava os braços e apertava aquelas mãos então tão grandes e fortes. E da alegria que sentia quando chegava lá cima, tão fácil a sensação de vitória.
Íamos lá todas as noites, quer dizer, éramos levados lá todas as noites, pelos nossos pais evidentemente, que iam tomar o último café antes de se desligar a máquina. O Bick, um cão preto e castanho vinha invariavelmente receber-nos, já conhecia o barulho do nosso carro. Quase maior do que nós o Bick, manso e dócil apesar do tamanho.
Havia ao lado da porta de trás uma pia em mármore branco, que cheirava a lexívia e tinha sempre chávenas de café para lavar. Por essa porta tínhamos acesso ao tesouro maior daquele sítio: a cozinha!
O cheiro daquela cozinha! Os segredos daquela cozinha! Era escura, o fogão a lenha encarregou-se de a escurecer, anos de pregos na chapa e de bacalhau frito. Ao pé do fogão, no canto, cheirava a alho, a lenha e a fumo. Do outro lado, um armário gigantesco, as portas em rede, as prateleiras completamente inacessíveis. Mas nós sabíamos muito bem que o que aquelas prateleiras escondiam. Cheiravam a chocolates e a bolachas trazidos de Espanha, que mais ninguém tinha. Como nós olhávamos para aquele armário! Ao centro uma mesa de tábuas corridas, nunca naquela mesa vi uma toalha. Tudo era manipulado directamente na madeira, que era esfregada com lexívia amiúde, não estava escura nem tinha manchas. As tábuas da mesa eram claras e estavam sempre limpas, mas rompidas. Distinguia-se perfeitamente a zona mais usada, as tábuas eram mais finas.
Numa das pontas da mesa havia um cesto que tinha sempre cebolas e especiarias, e o cheiro das cebolas misturava-se com o da pimenta.
Ao domingo passávamos lá a tarde. Havia um laranjal nas traseiras. Com mesas e bancos de pedra. Ao fundo, começava uma quinta, era a fronteira, o limite que não podia ser ultrapassado, era o mistério. A minha tia fazia-nos o lanche, pão com fatias muito finas de carne assada. Um petisco! “Sandes de carne fria!!!” respondíamos à pergunta: “E o que vamos lanchar?” E depois, claro, as bolachas.
Eu tinha 3 anos, sei disso por causa do que vou descrever a seguir. Eu tinha 3 anos quando pelo Natal o meu tio me ofereceu uma boneca que estava empoleirada numa bicicleta. Era loira, e tinha um gorro e um cachecol cor de laranja. A bicicleta era de metal, tinha-a trazido de Espanha. Mas, alguns dias depois chamou-me e disse-me: “Vou levar a bicicleta da tua boneca comigo para minha casa, vou dar-lhe de comer e quando ela estiver grande devolvo-ta, pode ser?”. “E a boneca, também levas?” Perguntei-lhe, e ele: “Não, só a bicicleta”. Não me importei, e esqueci-me completamente da bicicleta.
Veio Setembro, e no dia dos meus anos, ele devolveu-me a bicicleta, já grande, conforme tinha prometido. “Devolveu-ma” crescida o suficiente para que uma menina de 4 anos pudesse aprender a andar de bicicleta.
Veio Setembro, 30 anos depois, e deste tio, deste tasco, desta cozinha, deste laranjal, o que tenho mais presente na memória (além da bicicleta que eu depois imaginei a comer naquela cozinha para crescer e poder voltar para a dona) são todos os cheiros, as misturas de cheiros.
Do serrim húmido dos dias de chuva misturado com o cheiro do vinho das pipas, da lexívia misturada com café, do chocolate com as bolachas, do alho com a lenha, das cebolas com a pimenta, das laranjeiras com o cheiro a terra, a pó que levantávamos com os pés, incapazes de não correr à volta das mesas e bancos de pedra nos dias de Sol.

1.9.09

Organização

Estive à conversa com o meu primo.
Falei de coisas das quais não falava há algum tempo.
Falei dos acontecimentos do passado já longínquo, do mais recente, e do de há alguns dias. Foi bom. Ao revivê-los senti que tenho a casa arrumada. Tenho as ideias arrumadas, está tudo no devido lugar. Não há pontas a espreitar das gavetas nem as gavetas estão meias fechadas. Está tudo bem dobrado, bem acondicionado e bem fechado.
Os factos, resumidos:
Apaixonei-me profundamente.
O meu amor foi sincero.
A entrega, total.
Desiludi-me lenta e dolorosamente.
O meu amor foi esbanjado, mal aproveitado.
Não tenho mais amor para dar, acabou-se-me.
E eu aceito estes factos pacificamente.
Sem remorsos, sem revolta, nem desânimo.

Tiny little things

Compras

"O que te faz pousar de volta na prateleira um artigo que gostaste muito e até já ias comprar?

Encontrar um outro do mesmo tipo, que cumpre o mesmíssimo objectivo, mas que possuí uma outra característica que te agrada mais.

Se o encontras depois de já teres comprado o primeiro, ficas lixada. Se mesmo assim compras o segundo, estás a esbanjar... e ficas lixada."

Por isso é que quando eu compro alguma coisa, ponho-me imediatamente a andar, eliminando assim qualquer hipótese de ficar lixada. Tendo um fiozinho de dúvida que seja, simplesmente não compro.

Não preciso de mapa

A vida é uma auto-estrada, quando percebemos que nos enganamos, nada nos obriga a continuar até ao fim. Mesmo que se tenha de fazer mais uns quilómetros, temos sempre a próxima saída.

Reboque

Há muita gente que anda a reboque. Vejo-os (as) à minha volta e dou voltas à cabeça. Andam a reboque do que os outros fazem ou (e muito pior) do que os outros pensam. E não estou a falar dos "carneirinhos" da sociedade actual, etc...
Falo de gente com quem convivo e que conheço.
Porque me é próxima. Porque não os via assim. Porque me choca. Porque me desiludo.
Falo de indivíduos, homens e mulheres - é igual, isto nada tem a ver com o género. Falo de casados e de solteiros. Falo de novos e de velhos.
Há-os de vários tipos:
- Os que sem conseguir formular uma opinião própria sobre coisa nenhuma, assumem as opiniões dos "outros" e as debitam como se fossem suas, mas que eu identifico porque também conheço os tais "outros";
- Os que só fazem as coisas que vêm fazer, ir de férias para os mesmos sítios, ir comer aos mesmos restaurantes, matricular os filhos nas mesmas escolas, não articulando uma só vantagem decente para as suas escolhas;
- Os que pretendem mostrar um determinado nível financeiro, que não possuem mas que é importante que se exiba no círculo de amigos, para não se "ficar atrás", quando na verdade, naquilo que é fundamental, como por exemplo no que diz repeito ao conforto e ao bem-estar do núclo familiar são do mais avaro que se possa imaginar;
- Os que mantêm relações só para parecer bem, porque a menina ou o menino são engraçados e ficam bem ou dentro do carro ou ao lado, nas fotos dos casamentos da família, ou pior ainda, porque não suportam estar sozinhos;
- Os que mantêm casamentos só porque assim a vidinha é muito mais fácil, muito mais confortável, e fecha-se os olhos ao resto, sejam traições, falta de respeito, ou puro desprezo.
Terei encontrado, talvez, algumas das razões pelas quais andam a reboque,contudo não as percebo, isso não consigo. Ultrapassa-me. Pela direita e de gás.