15.5.10

Memórias

Vi a minha primeira professora de piano. Está velhinha, de cabelo todo branco e bengala. Enquanto eu fumava o meu cigarro na esplanada, lascivamente aproveitando os raios de Sol, avistei-a do outro lado da estrada. Os mesmos lábios vermelhos e as mesmas sobrancelhas de risco preto que aos sete anos me fascinavam e agora me enternecem, e o mesmo corte de cabelo só que agora branco. Aquela mulher nunca teve uma aula de música na vida, mas ensinava miúdos e miúdas a tocar piano e acordeon. Uma auto-didacta, que se casou com um homem viúvo com vários filhos já adultos. As aulas eram dadas em casa dela, numa salinha contígua ao hall e muito raramente era permitida uma visita à cozinha para um copo de água. Foram uns anos de D. Quininha, depois passei para uma escola de música à séria e só mandei aquilo tudo à fava aos 14 anos. Era portanto uma menina muito prendada, tocava piano e falava inglês, devia ser francês mas serve. Ficou o piano, que está em casa dos meus pais, ninguém lhe toca nem o toca há muitos anos. Ficou a memória da menina prendada, bem comportada, a melhor aluna da turma, que atravessou a adolescência relativamente calma, e que só começou a dar dores de cabeça aos pais quando aos 15 anos resolveu que queria ser piloto da Força Aérea, foi até Lisboa sozinha para fazer testes na Base do Lumiar e só desistiu da ideia quando se apaixonou pelo homem que viria a ser o marido e o pai dos filhos. Pensava-se que tinha encarreirado, respirou-se fundo, mas não, está-lhe no sangue, divorciou-se ao fim de 12 anos de casamento, com duas crianças pequenas e está sozinha. Tudo de pernas para o ar outra vez.

4 comentários:

Bípede Falante disse...

De pernas para o ar, mas com os motores intactos e a aeronave voando.

jacklyn disse...

Toda a gente acha isso, que ficou tudo de pernas para o ar. Já eu, acho que não, houve uma reviravolta mas tudo assentou, e está no devido lugar. E os motores estão intactos sim :) Beijos.

Isa disse...

Essa merda de deixarmos de seguir os nossos objectivos porque nos apareceu o principe encantado também já acabava!



Esse vírus ou gene ou lá o que é que te "envenena" o sangue ... diz-me que é incurável!

jacklyn disse...

É, foi... e não foi... a cena do príncipe :-)

O veneno não está identificado, como tal não há cura, acho eu.