"On ne naît pas femme, on le devient"
Simone de Beauvoir
8.10.12
3.10.12
26.9.12
Batota
Anda o pessoal a divertir-se a ler as sombras daquele senhor que parece que lhe bate e ela gosta e eu sou obrigada a ler Sá de Miranda e Virgínia Wolf. Da outra vez fiz de conta que li mas não li e safei-me mas desta... hum... acho que não ne safo.
(Ontem pela primeira vez na vida li, obrigada, uns poemas de Sá de Miranda e, surpresa, gostei muito.)
(Ontem pela primeira vez na vida li, obrigada, uns poemas de Sá de Miranda e, surpresa, gostei muito.)
25.9.12
Perpétua
Quem não se lembra da Tieta do Agreste? (por favor não valorizar as alusões a obras do Jorge Amado ultimamente, não têm qualquer significado para além do que lhes dou, de serem base de muitas telenovelas que quer queiramos quer não deixaram fortes memórias em várias gerações) E quem se lembra da Tieta do Agreste também se lembra de certeza da Perpétua, a irmã. Sempre vestida de preto, eterna viúva e com a trança a atravessar-lhe a cabeça. Sempre mal disposta, sempre zangada e sisuda. Ora o meu pai gosta de chamar Perpétua à minha mãe, quando estamos todos na palhaçada e ela se irrita connosco. Isto dura há anos, desde a telenovela, ou seja, quando a brincadeira começa a ser demasiada e a minha mãe manda parar, o meu pai dá o alerta, calem-se que vem aí a Perpétua o que dá sempre risota e desarma a automaticamente a minha mãe. Os meus filhos obviamente que já aprenderam a história da Perpétua, sem terem sequer ideia que quem é ou foi a Perpétua, mas há muito que captaram o espírito da coisa.
Hoje, hora de almoço, eu a mandar o rapaz grande despachar-se para entrar no carro, costumo deixa-lo à porta da escola a caminho do trabalho e hoje com a chuva ele estava mais lento do que o habitual. Ena mãe! Estás brava, já pareces a Perpétua versão 2! E ria-se às gargalhadas. Não consegui, também explodi às gargalhadas.
Hoje, hora de almoço, eu a mandar o rapaz grande despachar-se para entrar no carro, costumo deixa-lo à porta da escola a caminho do trabalho e hoje com a chuva ele estava mais lento do que o habitual. Ena mãe! Estás brava, já pareces a Perpétua versão 2! E ria-se às gargalhadas. Não consegui, também explodi às gargalhadas.
20.9.12
Fúria
Ontem, tinha acabado de anoitecer e eu dirigia-me ao meu carro depois da reunião na escola do meu filho mais velho. E enquanto retirava a chave do carro de dentro da bolsa reparei num indivíduo que estava parado no passeio, encostado à parede na esquina da entrada de um café. O homem olhava para mim e eu passei e ouvi um sussurro melado assim: "pareces a Gabriela". A verdade é que morena, rechonchuda e de cabelo escuro, comprido e ondulado, com um vestido vermelho justo pelo joelho, sou o mesmo tipo de mulher que a moça que faz de Gabriela na telenovela. Quando ouvi aquilo, dito assim, daquele indivíduo que não me conhece de lado nenhum, não sei, mas em vez de ficar contente com o que foi nitidamente um elogio, ou no mínimo uma demonstração de tesão, apeteceu-me esbofeteá-lo. Mas esbofeteá-lo violentamente. É muito estranho.
19.9.12
Benção
Depois de várias alterações ao horário, este primeiro semestre vislumbra-se menos difícil do que o anterior, mas ainda assim três noites por semana os moços terão de dormir nos avós. Na cabeça da minha mãe isto é terrível porque e se depois eles têm dúvidas nos trabalhos de casa e eu não consigo ajuda-los? Ao que eu respondo, tentando sossega-la, que num desses três dias da semana só tenho aulas às oito o que me permite ir a casa deles depois do trabalho, ver os trabalhos dos rapazes antes das aulas. Serão só dois dias em que eles têm de fazer os trabalhos sem ninguém para acudir às dúvidas e nesses dias farão como os outros e colocarão as dúvidas aos professores no dia seguinte. Mas não sei, continua ela, eles vão ter saudades, e eu é que sei porque eu é que os deito e eles dizem-me, não sempre, mas às vezes, que têm muitas saudades da mãe. Eu sei mamã, eu sei, e isto corta-me o coração também a mim. Só que o meu pai, mediante as choraminguices de mãe e de avó, eu já a considerar deixar mais uma cadeira para exame e libertar outra noite da semana, insurge-se e pergunta por que raio haveria eu de deixar de ir a essa aula, porque os rapazes ficam bem e ela fez tudo este ano que passou, não fez? Fiz, papá, fiz. Então que faça igual agora neste que dos moços cuidamos nós e se vai fazer o esforço, que aproveite o mais possível para acabar o mais depressa possível. E eu fico a vê-los aos dois, a minha mãe e o meu pai, assim a decidirem a minha vida como se eu nem lá estivesse, a discutirem e a organizarem as vidas, a deles, a minha e a dos meus filhos, sempre pelo melhor, sempre sem pensar nos próprios sacrifícios. E eu fico a vê-los aos dois, a minha mãe e o meu pai, e penso, que sorte que eu tenho.
17.9.12
Verdades
Pedir desculpa serve, basicamente e na grande maioria das vezes, só para que quem o faz se sinta melhor consigo próprio. Assim como contar a verdade, às vezes só resulta em sofrimento de quem ouve, independentemente de se poder bater com a mão no peito e afirmar que se é honesto, cagando-se de alto para quem tem de ouvir, engolir, e sofrer. E é rídiculo que se ache que por ter contado a verdade já se merece tratamento menos duro, uma palmadinha a atenuar a asneira. Há verdades que nunca devem ser ditas, não mudam nada. Só aliviam a consciência de quem as conta e destroçam quem as ouve. Nas infidelidades é óbvio que quem conta ao cônjuge que traiu só espera aligeirar o peso na consciência, espera ser perdoado só por ter contado a facada, vês? podia ter estado calado mas fui sincero. Ora merda. Ninguém quer saber que foi traído, pois vê-se forçado a tomar uma decisão. Ou perdoa e demonstra fraqueza ou não perdoa e rompe, o que talvez não tenha estrutura para fazer. Fica-se mal de uma forma ou de outra, mesmo que se faça um pé de vento e se grite, esperneie e leve tudo à frente. Quem é traído e abandona nunca fica por cima, ainda que pareça que sim. Contar uma verdade destas é cruel e trucidante. Quem trai e sente culpa tem de guardar só para si, tem de carregar o peso sozinho. Pode ser que um dia passe. Ou não. Mas tem de arrecadar com as consequências sozinho.
11.9.12
Fez na semana passada dois anos que não fumo. E a verdade é que há mais ou menos um mês que não tenho vontade de fumar todos os dias, há mesmo dias em que não me lembro. Começo a acreditar que há uma vida depois do tabaco, eu, que já tinha engolido que ia viver até ao fim dos meus dias com vontade de fumar. Pode ser que não.
31.8.12
Podia ter sido no Texas
Ninguém.
Estranho pensou ele enquanto avançava a passo lento mas largo pela calçada
poeirenta. A avenida tinha árvores grossas de cada lado e o passo era cada vez
menos lento, a descer, gostava da sensação do peso do seu próprio corpo o
empurrar para baixo. Havia uma espécie de armazém comprido, abandonado e com o
que antes teriam sido as entradas completamente tapadas com betão para evitar
vandalismos lá para dentro. Mais abaixo uma decadente remanescência de um salão
de Bingo. Desembocou numa grande praça, e olhando para a
direita não conseguia ver o fim de um jardim demasiado bem arranjado. Isto é
novo, pareceu-lhe, pelo cheiro a terra revolvida recentemente. Tinha acabado de
chegar à cidade e gostou da envolvência apesar de não se ver vivalma.
Estava vento, havia folhas pelo ar e insetos a esbarrarem-se-lhe nas trombas, mas ei, o que era aquilo comparado com as merdas por que já tinha passado. Cheirou-lhe a comida e sentiu o estômago às voltas, lembrou-se que já não comia nada desde a manhã do dia anterior, e tendo em conta a quantidade de whiskey ingerido naquela noite já nem estômago devia ter, estaria tudo dissolvido. E pelo fedor dos peidos largados durante a viagem, não tinha dúvidas de que estava todo podre. Ao menos a pinta de rufia que fazia questão em manter não cortando a barba mais do que uma vez por semana ainda lhe ia valendo algumas quecas com gajas bastante aceitáveis e com uma regularidade que muitos dariam o cu para conseguir.
Ouviu as batidas dum sino próximo, ergueu a cabeça e reparou numa igreja do lado esquerdo e num edifício cheio de janelas todas iguais do lado direito. Na esquina mesmo ali um café com cadeiras em madeira cobertas com vestígios de verniz, que terá sido luxuosamente brilhante um dia. Dois empregados encostados ao balcão, calças pretas lustrosas de tanto uso e camisas que já nem se lembravam de um dia terem sido brancas, ar nitidamente entediado devido à ausência da clientela. Talvez fosse da hora tardia, mas caralho, um café deserto a esta hora da tarde? Não faz sentido. Algo de estranho se passa nesta cidade. Resolveu não parar e logo adiante percebeu de onde saía o cheiro a comida, percebia agora que lhe chegava ao nariz o aroma a bife. Calhava bem um belo bife, podia ser que comesse o resto do álcool que ainda sentia a balançar quando se virava mais bruscamente para confirmar se era seguido. Até o chafariz antigo, ao estilo fruteira de louça de três andares, lhe parecia preguiçoso, tudo ali estava parado, e entranhava-se-lhe nos ossos a sensação que algo de errado se passava. Mesmo desconfiado do ambiente demasiado calmo sentou-se na cadeira da esplanada e pousou a carteira na mesa. Tirou os óculos escuros e pousou-os também, encostou-se na cadeira, deslizou o cu para a frente e cruzou as pernas. Finalmente ia poder descontrair, comer uma refeição decente e pensar no próximo passo.
Estava cansado de fugir e esta parecia uma terrinha pequena o suficiente para ninguém se lembrar de o procurar ali e grande o suficiente para poder misturar-se com os nativos sem causar grande estrilho. Não compreendeu bem o significado das enormes letras brancas espetadas naquele pedaço inusitado de muralha entre duas casas, mas achou que era qualquer coisa relacionada com algum qualquer feito histórico. Decidiu que iria perguntar ao tipo que vinha encontrar-se com ele, devia estar quase a chegar, faltavam cinco minutos para as seis da tarde. O Crispim falou-lhe de um tipo que facilmente lhe arranjaria onde ficar e que o orientaria na cidade, agora que tinha chegado não lhe parecia haver necessidade de cicerone, mas já havia sido feito o contacto, e não iria desmarcar. Sentiu as costas a doer e descruzou as pernas, voltando a cruza-las mas invertendo-as e sentiu o odor do seu próprio suor misturado com o perfume da Susana, hum… seria Susana? Não tinha a certeza do nome mas a gaja colou-se-lhe na noite anterior. Tinha-a montado durante mais de uma hora e a gaja lembrava-lhe vagamente a colombiana mamalhuda que conheceu em Sevilha no ano anterior quando lá teve um trabalho daqueles fodidos, mas compensou a massa que lhe pagaram, e afinal limpar o sebo aos maus não lhe tirava o sono e não.
Lá estava o tipo, de lenço atado na cabeça, e de aspeto a raiar o albino, os olhos eram quase transparentes. Era feio, mas abriu-lhe um sorriso quando o viu e lá apareceram as falhas na dentadura. Heroína, pá, é fodido. Estrangeiro? Sim, senta-te pá. Pede de beber, o que queres?, Um fino, e emborcou metade de golada assim que chegou à mesa. E então o que vens cá fazer? Ando a ver se desapareço, tás a ver? Preciso de desaparecer por uns tempos e achei boa ideia vir para cá. Não há problema, man. Aqui fazes a tua vidinha e ninguém repara em ti, desde que não te metas em estrondos. Mas ó pá, em que caralho é que te meteste para teres de desaparecer? Já estás a querer saber demais, mete-te na tua vida se não queres merda para o teu lado. O Crispim garantiu que tu eras boa onda, mas estou a ver que és metido a besta. Não sei se não desando já. E enquanto falava num tom de voz sereno mas firme, não sentindo que fosse necessário mais do que isso para meter o totó que tinha à frente na linha, teve a impressão de que algo brilhava na torre da igreja que estava agora de frente. Fixou o olhar nos sinos mas não percebeu movimento algum. De repente lembrou-se que ainda lá estava o tipo, que entretanto acabava a cerveja e tinha algumas perguntas para lhe fazer. Precisava de alugar um carro e de comprar alguma roupa barata e discreta. Também queria umas gramas de haxixe pois precisava mesmo de relaxar e dormir e sentia-se mal com Valiums e merdas dessas que só fazem mal à saúde de um gajo.
Vislumbrou um brilho outra vez e ouviu um estalido seco e curto e na testa do tipo abriu-se um orifício de 1cm de diâmetro. Só teve tempo de olhar para ele e olhar de novo para a torre e percebeu a pintinha vermelha no peito e estacou. Viu-a subir até deixar de conseguir vê-la enquanto ouvia alguém chamar por alguém para virem ver o Mané que tinha levado um tiro nos cornos. Olhou fixamente para a torre da igreja e soube que era o fim. Dois segundos que pareceram duas horas e a gota de suor que lhe escorreu muito lentamente pela fonte pareceu-lhe o único movimento no universo inteiro. Sabia que a pinta vermelha estava parada na sua testa, mas foda-se, se era para acabar com ele, porque caralho é que ainda estava vivo? Levantou-se da cadeira e andou, mesmo quando os homens que estavam dentro do bar saiam aos berros e agarravam o Mané. Nem deram por ele, que puta de sorte. Dirigiu-se para a esquerda e dobrou a esquina mesmo em frente ao café das cadeiras de madeira de verniz descascado e viu outra praça. Uma placa de um hotel, calha mesmo bem, fico já aqui, não queria um hotel deste calibre mas que se foda, tem de ser, tenho de sair de circulação imediatamente.
Entrou e pediu um quarto single, deu nome falso e apresentou o cartão, dos cinco que tinha dentro da carteira retirou o cartão com o nome dado à rececionista. Quando chegou ao quarto abeirou-se da janela e percebeu que estava mesmo por cima do acontecimento. O Mané deitado na pedra e o sangue a crescer à volta da sua cabeça. Os homens de volta dele, um deles agarrado ao telemóvel provavelmente a chamar por ajuda. Desviou-se e voltou a concentrar-se na torre e nos sinos. O tiro veio dali, só podia ter vindo dali. Despiu-se e entrou no duche. Ouviu a sirene da ambulância enquanto sentia a água quente a descer-lhe pelo corpo e ainda conseguiu perceber o tumulto das pessoas que começavam a juntar-se à volta do morto. Não compreendeu de onde aparecia aquela gente toda quando há poucos minutos a praça estava deserta, mas não foi assunto que o preocupasse mais do que dez segundos. Acendeu um cigarro e esticou-se na cama só com a toalha à volta da cintura. Tentou puxar a fita atrás, desde essa manhã, quando entrou no comboio em Santa Apolónia. Esteve sempre atento, ninguém o seguira, tinha a certeza.
Em Campanhã não percebeu nenhum movimento suspeito enquanto fingia que lia o jornal à espera da ligação para cá. Não podia ser. Ficou a matutar no percurso todo, recuou até à noite anterior, no Bairro Alto e nada se destacou. É verdade que no aeroporto houve uma mulher que o fixou quando esperava pela bagagem, mas depois sorriu-lhe e ele convenceu-se que era o seu charme de bad ass a funcionar. Teria sido a puta da Susana a bufa-lo, ou lá como é que ela se chamava, mas a gaja era burra que nem um sino e só estava interessada em beber à borla e foder, e que bem que se fodeu. Está a escapar-me alguma coisa, pensou, e nem tive tempo de comer o bife, que merda, foda-se, estou cheio de fome. Mas não posso sair agora, vou pedir room service, espero que tenham room service neste hotel de cidade pequena. Pediu. Havia. Comeu. E depois de mais um cigarro adormeceu.
Estava vento, havia folhas pelo ar e insetos a esbarrarem-se-lhe nas trombas, mas ei, o que era aquilo comparado com as merdas por que já tinha passado. Cheirou-lhe a comida e sentiu o estômago às voltas, lembrou-se que já não comia nada desde a manhã do dia anterior, e tendo em conta a quantidade de whiskey ingerido naquela noite já nem estômago devia ter, estaria tudo dissolvido. E pelo fedor dos peidos largados durante a viagem, não tinha dúvidas de que estava todo podre. Ao menos a pinta de rufia que fazia questão em manter não cortando a barba mais do que uma vez por semana ainda lhe ia valendo algumas quecas com gajas bastante aceitáveis e com uma regularidade que muitos dariam o cu para conseguir.
Ouviu as batidas dum sino próximo, ergueu a cabeça e reparou numa igreja do lado esquerdo e num edifício cheio de janelas todas iguais do lado direito. Na esquina mesmo ali um café com cadeiras em madeira cobertas com vestígios de verniz, que terá sido luxuosamente brilhante um dia. Dois empregados encostados ao balcão, calças pretas lustrosas de tanto uso e camisas que já nem se lembravam de um dia terem sido brancas, ar nitidamente entediado devido à ausência da clientela. Talvez fosse da hora tardia, mas caralho, um café deserto a esta hora da tarde? Não faz sentido. Algo de estranho se passa nesta cidade. Resolveu não parar e logo adiante percebeu de onde saía o cheiro a comida, percebia agora que lhe chegava ao nariz o aroma a bife. Calhava bem um belo bife, podia ser que comesse o resto do álcool que ainda sentia a balançar quando se virava mais bruscamente para confirmar se era seguido. Até o chafariz antigo, ao estilo fruteira de louça de três andares, lhe parecia preguiçoso, tudo ali estava parado, e entranhava-se-lhe nos ossos a sensação que algo de errado se passava. Mesmo desconfiado do ambiente demasiado calmo sentou-se na cadeira da esplanada e pousou a carteira na mesa. Tirou os óculos escuros e pousou-os também, encostou-se na cadeira, deslizou o cu para a frente e cruzou as pernas. Finalmente ia poder descontrair, comer uma refeição decente e pensar no próximo passo.
Estava cansado de fugir e esta parecia uma terrinha pequena o suficiente para ninguém se lembrar de o procurar ali e grande o suficiente para poder misturar-se com os nativos sem causar grande estrilho. Não compreendeu bem o significado das enormes letras brancas espetadas naquele pedaço inusitado de muralha entre duas casas, mas achou que era qualquer coisa relacionada com algum qualquer feito histórico. Decidiu que iria perguntar ao tipo que vinha encontrar-se com ele, devia estar quase a chegar, faltavam cinco minutos para as seis da tarde. O Crispim falou-lhe de um tipo que facilmente lhe arranjaria onde ficar e que o orientaria na cidade, agora que tinha chegado não lhe parecia haver necessidade de cicerone, mas já havia sido feito o contacto, e não iria desmarcar. Sentiu as costas a doer e descruzou as pernas, voltando a cruza-las mas invertendo-as e sentiu o odor do seu próprio suor misturado com o perfume da Susana, hum… seria Susana? Não tinha a certeza do nome mas a gaja colou-se-lhe na noite anterior. Tinha-a montado durante mais de uma hora e a gaja lembrava-lhe vagamente a colombiana mamalhuda que conheceu em Sevilha no ano anterior quando lá teve um trabalho daqueles fodidos, mas compensou a massa que lhe pagaram, e afinal limpar o sebo aos maus não lhe tirava o sono e não.
Lá estava o tipo, de lenço atado na cabeça, e de aspeto a raiar o albino, os olhos eram quase transparentes. Era feio, mas abriu-lhe um sorriso quando o viu e lá apareceram as falhas na dentadura. Heroína, pá, é fodido. Estrangeiro? Sim, senta-te pá. Pede de beber, o que queres?, Um fino, e emborcou metade de golada assim que chegou à mesa. E então o que vens cá fazer? Ando a ver se desapareço, tás a ver? Preciso de desaparecer por uns tempos e achei boa ideia vir para cá. Não há problema, man. Aqui fazes a tua vidinha e ninguém repara em ti, desde que não te metas em estrondos. Mas ó pá, em que caralho é que te meteste para teres de desaparecer? Já estás a querer saber demais, mete-te na tua vida se não queres merda para o teu lado. O Crispim garantiu que tu eras boa onda, mas estou a ver que és metido a besta. Não sei se não desando já. E enquanto falava num tom de voz sereno mas firme, não sentindo que fosse necessário mais do que isso para meter o totó que tinha à frente na linha, teve a impressão de que algo brilhava na torre da igreja que estava agora de frente. Fixou o olhar nos sinos mas não percebeu movimento algum. De repente lembrou-se que ainda lá estava o tipo, que entretanto acabava a cerveja e tinha algumas perguntas para lhe fazer. Precisava de alugar um carro e de comprar alguma roupa barata e discreta. Também queria umas gramas de haxixe pois precisava mesmo de relaxar e dormir e sentia-se mal com Valiums e merdas dessas que só fazem mal à saúde de um gajo.
Vislumbrou um brilho outra vez e ouviu um estalido seco e curto e na testa do tipo abriu-se um orifício de 1cm de diâmetro. Só teve tempo de olhar para ele e olhar de novo para a torre e percebeu a pintinha vermelha no peito e estacou. Viu-a subir até deixar de conseguir vê-la enquanto ouvia alguém chamar por alguém para virem ver o Mané que tinha levado um tiro nos cornos. Olhou fixamente para a torre da igreja e soube que era o fim. Dois segundos que pareceram duas horas e a gota de suor que lhe escorreu muito lentamente pela fonte pareceu-lhe o único movimento no universo inteiro. Sabia que a pinta vermelha estava parada na sua testa, mas foda-se, se era para acabar com ele, porque caralho é que ainda estava vivo? Levantou-se da cadeira e andou, mesmo quando os homens que estavam dentro do bar saiam aos berros e agarravam o Mané. Nem deram por ele, que puta de sorte. Dirigiu-se para a esquerda e dobrou a esquina mesmo em frente ao café das cadeiras de madeira de verniz descascado e viu outra praça. Uma placa de um hotel, calha mesmo bem, fico já aqui, não queria um hotel deste calibre mas que se foda, tem de ser, tenho de sair de circulação imediatamente.
Entrou e pediu um quarto single, deu nome falso e apresentou o cartão, dos cinco que tinha dentro da carteira retirou o cartão com o nome dado à rececionista. Quando chegou ao quarto abeirou-se da janela e percebeu que estava mesmo por cima do acontecimento. O Mané deitado na pedra e o sangue a crescer à volta da sua cabeça. Os homens de volta dele, um deles agarrado ao telemóvel provavelmente a chamar por ajuda. Desviou-se e voltou a concentrar-se na torre e nos sinos. O tiro veio dali, só podia ter vindo dali. Despiu-se e entrou no duche. Ouviu a sirene da ambulância enquanto sentia a água quente a descer-lhe pelo corpo e ainda conseguiu perceber o tumulto das pessoas que começavam a juntar-se à volta do morto. Não compreendeu de onde aparecia aquela gente toda quando há poucos minutos a praça estava deserta, mas não foi assunto que o preocupasse mais do que dez segundos. Acendeu um cigarro e esticou-se na cama só com a toalha à volta da cintura. Tentou puxar a fita atrás, desde essa manhã, quando entrou no comboio em Santa Apolónia. Esteve sempre atento, ninguém o seguira, tinha a certeza.
Em Campanhã não percebeu nenhum movimento suspeito enquanto fingia que lia o jornal à espera da ligação para cá. Não podia ser. Ficou a matutar no percurso todo, recuou até à noite anterior, no Bairro Alto e nada se destacou. É verdade que no aeroporto houve uma mulher que o fixou quando esperava pela bagagem, mas depois sorriu-lhe e ele convenceu-se que era o seu charme de bad ass a funcionar. Teria sido a puta da Susana a bufa-lo, ou lá como é que ela se chamava, mas a gaja era burra que nem um sino e só estava interessada em beber à borla e foder, e que bem que se fodeu. Está a escapar-me alguma coisa, pensou, e nem tive tempo de comer o bife, que merda, foda-se, estou cheio de fome. Mas não posso sair agora, vou pedir room service, espero que tenham room service neste hotel de cidade pequena. Pediu. Havia. Comeu. E depois de mais um cigarro adormeceu.
Maria do Carmo
trabalhava naquele hotel desde que abriu e estava convencida que já tinha visto
de tudo quando ia arrumar os quartos, mas naquela manhã, afinal, ainda houve
espaço para espanto. Quando abriu a porta estava um homem esticado
na cama, descoberto, todo nu. O seu primeiro instinto foi recuar, mas como de burra não
tinha nada, Maria do Carmo percebeu que ali havia coisa, porque o homem não se
mexeu quando ela entrou. Aproximou-se e viu do outro lado da cama o sangue que
lhe escorrera do buraco que tinha por cima da orelha direita. Sentiu uma leve
brisa e olhou para a janela para ver um dos vidros quebrados. Ao olhar para o
chão, no meio dos pedaços de vidro viu uma beata de um cigarro. O coração quase
que lhe saltava pela boca, mas ainda assim agarrou no telefone e fez o que
tinha a fazer.
Veio gente, e
mais gente, e bombeiros, e polícia e fizeram-lhe as perguntas todas que havia
para fazer. E aquilo durou o dia todo e
Maria do Carmo estava exausta e só queria ir para casa para perto do marido e
dos filhos, coitadinhos. Quando finalmente conseguiu chegar a casa, respirou
fundo aliviada. Preparou o jantar, deu banho às crianças e deitou-as. Depois do
marido adormecer no sofá, veio cá fora, à varanda, estava calor. E olhando para
a montanha em frente, tirou o telemóvel do bolso do avental e marcou um número.
Está lá? Está lá? disse, sem levantar o tom de voz, não fosse o marido acordar,
e continuou, sim, confirmo, está feito, foi durante a noite.
30.8.12
Podia ter sido em Paris
Madalena
acordou sobressaltada, o coração batia descompassadamente e tinha aquela sensação
de ter estado a cair num poço, aquela sensação que cessa ao acordar mas que
deixa uma dormência desconfortável que impede os movimentos do corpo nos
segundos imediatos. Ficou imóvel portanto, e respirou fundo. Não conseguia
lembrar-se do sonho, mas sabia que não fora nada de bom. Olhou para o relógio e
sossegou pois ainda faltavam vinte minutos para a hora que na noite anterior
tinha decidido marcar no despertador. Levantou-se e abriu a portada da janela e
deixou o Sol inundar-lhe o quarto. Sorriu. Ia ser um dia bom. Arrepiou-se e num
movimento quase instintivo cruzou os braços agarrando os antebraços com as mãos
ainda um pouco suadas, o mau sonho devia ter sido mesmo mau.
A manhã estava soalheira, apeteceu-lhe abrir a janela e cheirar o dia. Assim fez mas não demorou muito tempo a fecha-la pois sentiu a brisa gelada e arrepiou-se de novo, então vestiu o casaco de cachemira que de tão velho já lhe tinha decorado todas as curvas do corpo e antes de se dirigir à cozinha abriu a torneira da banheira. Depois, ligou a máquina do café e bebeu um copo de água. Ansiava que o dia começasse, iria vê-lo de novo, e de cada vez que pensava nisso o estômago dava uma reviravolta. Fez o café e bebeu-o mas comer o que quer que fosse era simplesmente impensável.
Olhou para o roupeiro aberto e sabia exatamente que vestido tirar, tinha pensado nisso no dia anterior durante a tarde toda. Hesitou entre o vestido verde-escuro que tinha comprado no Natal e o preto, aquele preto que só usava em ocasiões mesmo especiais. Especiais para ela, não em festas. Usava-o apenas quando queria causar um determinado impacto em alguém, era um vestido que podia usar tanto de dia ou de noite pois era neutro, só fazia a diferença nos sapatos ou no casaco. Aquele vestido era discreto mas assentava-lhe como uma luva. Aprendera a usar o corpo como uma arma havia muitos anos. Não como uma metralhadora barulhenta e disparatada, antes como um revólver com silenciador, daqueles que se encosta às costelas e surte o efeito desejado sem ninguém para além do alvo se aperceber. E Madalena usava o seu corpo de forma discreta mas com eficácia total, jamais falhara. Foi com esta certeza que se decidiu pelo vestido preto, e retirava-o agora do roupeiro com o cuidado que ele lhe merecia. Estendeu-o sobre a cama e de seguida tirou os sapatos de verniz preto e contemplou a indumentária, satisfeita, prevendo o resultado e por dentro tremeu.
Quando entrou na banheira e sentiu a água quente envolver-lhe o corpo imaginou-se nos braços do homem que tanto a perturbava. Deixou cair o corpo até as nádegas tocarem no fundo da banheira e sentiu o vapor da água aquecer-lhe o rosto enquanto inalava o aroma que pairava no ar, cheirava a tangerina, ácido e doce ao mesmo tempo, “combina tão bem comigo”, pensou. Lavou o corpo lentamente, quase que se acariciava e talvez fosse isso mesmo que pensaria se alguém a visse de longe mergulhada na banheira. Madalena não conseguia parar de pensar no encontro que ia ter, era mais forte do que ela, e tudo o que fazia e sentia estava relacionado com esse momento. As suas mãos percorrendo o corpo macio e quente eram como veludo, e a sua pele reagia a cada segundo.
Lavou o cabelo e saiu, secou-se e permitiu-se exagerar no creme que aplicou no corpo. Adorava a sensação do creme hidratante no corpo, as axilas, os cotovelos, os joelhos, o pescoço e o peito, a barriga e as virilhas, as coxas e as nádegas, não descurou nenhuma parte. Tinha um corpo que correspondia à sua idade, não era musculada nem tampouco flácida. Era um corpo que lhe agradava e que lhe servia. Escovou os dentes, secou o cabelo, maquilhou-se e foi nua até ao armário de cuja gaveta tirou a roupa interior. Da gaveta abaixo dessa pegou num par de meias, calçou-as com cuidado e prendeu-as às ligas. Sabia que apesar da temperatura ainda um pouco fresca lá fora não iria sentir frio, estava demasiado agitada para ter frio. Calçou os sapatos, pôs o vestido e por cima o casaco de feltro, abotoou-o e apertou o cinto. Faltavam apenas as gotas do seu perfume favorito e estava pronta. Pegou na bolsa, verificou que continha a carteira e a chave de casa e saiu.
O elevador cheirava mal. Algum dos vizinhos trouxe um saco de lixo da véspera e não foi há muito tempo, sentiu nojo. Ainda bem que morava no segundo andar e não no oitavo senão era muito provável que se lhe assomasse um vómito. Ainda assim susteve a respiração até a porta se abrir, mas antes ainda teve tempo de confirmar como estava no espelho do elevador.
Tempo morno, Madalena apostaria que não menos de vinte graus. Virou à esquerda e caminhou a ritmo certo mas devagar. Havia gente na rua, famílias com crianças e casais de velhos a passear. Eram onze e meia da manhã e também havia quem fosse tomar o pequeno-almoço, num dos cafés e pastelarias da avenida. Do outro lado da rua as pessoas entravam e saiam do centro comercial, o primeiro que fizeram na cidade, devia ter quase trinta anos. Ainda estava aberto, resistiam algumas lojas e tanto quanto sabia, uma pastelaria muito conhecida. O certo era que as lojas com montras viradas para a rua estavam todas ocupadas, o tipo de negócio tinha variado ao longo dos anos, mas havia negócio.
Não tardou a passar em frente ao hotel, e reparou no autocarro daqueles pequeninos, estacionado em frente, era alemão. Mais um grupo de turistas a visitar a cidade, era o tempo deles começarem a aparecer. Mal a temperatura subia com a chegada da Primavera, os turistas chegavam, ou em grupos metidos dentro de autocarros ou só casais a passeio ou famílias com crianças pequenas em miniférias. Sendo uma cidade pequena, tornava-se bastante atraente para casais com crianças pois podiam passear-se à vontade sem ficarem exaustos, a volta é pequena e não chateia se uma das crianças tiver de ser levada ao colo.
“Crianças” pensava Madalena, como gostaria de as ter, sonhava com isso desde nova, mas acreditava que o contexto tradicional era o mais indicado para ter filhos, com mãe, pai e de preferência também avós por perto. E ela, uma mulher sozinha, não considerava que tivesse condições para oferecer uma vida a uma criança. Talvez agora, que encontrou um homem que lhe mexe com as entranhas, talvez agora consiga vislumbrar uma centelha de possibilidade. E esqueceu-se do hotel e dos turistas e das crianças para voltar a concentrar-se no caminho que a levava até junto dele, quase que lhe sentia o cheiro, da última vez tinha ficado mesmo ao lado dele, e sentiu-lhe o perfume que lhe ficou gravado no cérebro e regressava de cada vez que pensava nisso. Acelerou o passo e nem reparou no grupo de rapazes sentados no café do outro lado da rua que já a miravam desde que deram com os olhos nela e a seguiram até que dobrou a esquina já ao pé da igreja. Subiu a avenida do lado esquerdo ao jardim.
Adorava aquele jardim, que dependendo da época do ano era presenteado com flores novas, plantadas uma a uma por jardineiros carinhosos. Na quaresma, pintavam-no de amores-perfeitos roxos a condizer com as bandeiras que ladeavam os arbustos que faziam o contorno do jardim. Os saltos dos sapatos balançavam na calçada mas estava treinada para andar sobre qualquer tipo de piso mesmo com stilettos, não fosse ela a elegância em pessoa, parecia que deslizava sobre o chão e quase que não se lhe ouviam os passos, se não fosse uma mulher tão sofisticada quase que se poderia dizer que fazia de propósito para chegar sorrateira e surpreender, mas não, era-lhe natural, não fazia esforço algum.
Atravessou a rua e virou à direita para contornar a esquina à esquerda passando mesmo junto da esplanada repleta de ociosos que aproveitavam os raios de Sol primaveris. Notou que a estação da Via Sacra pegada ao muro do museu estava aberta e não resistiu a espreitar, atravessou de novo a rua para passar mais perto das imagens que a fascinavam. Eram velhas e desbotadas mas eram também tão expressivas que a emocionavam, e não conseguia fugir-lhes de cada vez que passava por uma das várias estações que havia espalhadas pela parte velha da cidade. Imaginava as mulheres que cuidavam delas, despachadas e trabalhadoras de mãos calejadas, talvez se revezassem no asseio das jarras, pois tinham sempre flores frescas, achava aquelas estações da Via Sacra maravilhosas.
Passou pelo museu e voltou a acelerar o passo, faltava pouco e o coração batia mais forte, cada vez mais forte. Teve medo das pernas, podiam falhar-lhe tal era a excitação que sentia. Viu a esplanada cheia, e estava espalhado no ar o cheiro a café e a croissants mornos, havia jornais e revistas nas mãos e nos colos dos clientes e rapazes a jogar à bola, eram normal ao Domingo de manhã naquela praça haver aquela agitação que curiosamente a acalmava. Respirou fundo e sentiu uma vertigem subir-lhe pelas pernas e pelas entranhas e entrou.
Viu-o sentado no sítio do costume, e não estava ninguém sentado ao lado dele. “É a minha oportunidade” disse-se, avançou e sentou-se, reconhecendo o perfume, toda ela tremeu e garantia que todas as pessoas ali notaram a sua perturbação mas esforçou-se por manter a postura. Ele olhou-a e sorriu-lhe, ela retribuiu o sorriso mas ele provocava-lhe uma emoção que não compreendia completamente pois a última vez que a sentira era ainda adolescente, virgem e inocente, e que a fez virar-se para a frente quase automaticamente, como que embaraçada. Arrependeu-se imediatamente de não ter olhado de frente para ele nem que fosse por mas dois ou três segundos, talvez ele lhe tivesse dirigido a palavra, talvez lhe tivesse sussurrado um “bom dia”. Ouviu a música e saiu da dormência em que entrara no segundo em que o viu. Benzeu-se, e começou a missa.
A manhã estava soalheira, apeteceu-lhe abrir a janela e cheirar o dia. Assim fez mas não demorou muito tempo a fecha-la pois sentiu a brisa gelada e arrepiou-se de novo, então vestiu o casaco de cachemira que de tão velho já lhe tinha decorado todas as curvas do corpo e antes de se dirigir à cozinha abriu a torneira da banheira. Depois, ligou a máquina do café e bebeu um copo de água. Ansiava que o dia começasse, iria vê-lo de novo, e de cada vez que pensava nisso o estômago dava uma reviravolta. Fez o café e bebeu-o mas comer o que quer que fosse era simplesmente impensável.
Olhou para o roupeiro aberto e sabia exatamente que vestido tirar, tinha pensado nisso no dia anterior durante a tarde toda. Hesitou entre o vestido verde-escuro que tinha comprado no Natal e o preto, aquele preto que só usava em ocasiões mesmo especiais. Especiais para ela, não em festas. Usava-o apenas quando queria causar um determinado impacto em alguém, era um vestido que podia usar tanto de dia ou de noite pois era neutro, só fazia a diferença nos sapatos ou no casaco. Aquele vestido era discreto mas assentava-lhe como uma luva. Aprendera a usar o corpo como uma arma havia muitos anos. Não como uma metralhadora barulhenta e disparatada, antes como um revólver com silenciador, daqueles que se encosta às costelas e surte o efeito desejado sem ninguém para além do alvo se aperceber. E Madalena usava o seu corpo de forma discreta mas com eficácia total, jamais falhara. Foi com esta certeza que se decidiu pelo vestido preto, e retirava-o agora do roupeiro com o cuidado que ele lhe merecia. Estendeu-o sobre a cama e de seguida tirou os sapatos de verniz preto e contemplou a indumentária, satisfeita, prevendo o resultado e por dentro tremeu.
Quando entrou na banheira e sentiu a água quente envolver-lhe o corpo imaginou-se nos braços do homem que tanto a perturbava. Deixou cair o corpo até as nádegas tocarem no fundo da banheira e sentiu o vapor da água aquecer-lhe o rosto enquanto inalava o aroma que pairava no ar, cheirava a tangerina, ácido e doce ao mesmo tempo, “combina tão bem comigo”, pensou. Lavou o corpo lentamente, quase que se acariciava e talvez fosse isso mesmo que pensaria se alguém a visse de longe mergulhada na banheira. Madalena não conseguia parar de pensar no encontro que ia ter, era mais forte do que ela, e tudo o que fazia e sentia estava relacionado com esse momento. As suas mãos percorrendo o corpo macio e quente eram como veludo, e a sua pele reagia a cada segundo.
Lavou o cabelo e saiu, secou-se e permitiu-se exagerar no creme que aplicou no corpo. Adorava a sensação do creme hidratante no corpo, as axilas, os cotovelos, os joelhos, o pescoço e o peito, a barriga e as virilhas, as coxas e as nádegas, não descurou nenhuma parte. Tinha um corpo que correspondia à sua idade, não era musculada nem tampouco flácida. Era um corpo que lhe agradava e que lhe servia. Escovou os dentes, secou o cabelo, maquilhou-se e foi nua até ao armário de cuja gaveta tirou a roupa interior. Da gaveta abaixo dessa pegou num par de meias, calçou-as com cuidado e prendeu-as às ligas. Sabia que apesar da temperatura ainda um pouco fresca lá fora não iria sentir frio, estava demasiado agitada para ter frio. Calçou os sapatos, pôs o vestido e por cima o casaco de feltro, abotoou-o e apertou o cinto. Faltavam apenas as gotas do seu perfume favorito e estava pronta. Pegou na bolsa, verificou que continha a carteira e a chave de casa e saiu.
O elevador cheirava mal. Algum dos vizinhos trouxe um saco de lixo da véspera e não foi há muito tempo, sentiu nojo. Ainda bem que morava no segundo andar e não no oitavo senão era muito provável que se lhe assomasse um vómito. Ainda assim susteve a respiração até a porta se abrir, mas antes ainda teve tempo de confirmar como estava no espelho do elevador.
Tempo morno, Madalena apostaria que não menos de vinte graus. Virou à esquerda e caminhou a ritmo certo mas devagar. Havia gente na rua, famílias com crianças e casais de velhos a passear. Eram onze e meia da manhã e também havia quem fosse tomar o pequeno-almoço, num dos cafés e pastelarias da avenida. Do outro lado da rua as pessoas entravam e saiam do centro comercial, o primeiro que fizeram na cidade, devia ter quase trinta anos. Ainda estava aberto, resistiam algumas lojas e tanto quanto sabia, uma pastelaria muito conhecida. O certo era que as lojas com montras viradas para a rua estavam todas ocupadas, o tipo de negócio tinha variado ao longo dos anos, mas havia negócio.
Não tardou a passar em frente ao hotel, e reparou no autocarro daqueles pequeninos, estacionado em frente, era alemão. Mais um grupo de turistas a visitar a cidade, era o tempo deles começarem a aparecer. Mal a temperatura subia com a chegada da Primavera, os turistas chegavam, ou em grupos metidos dentro de autocarros ou só casais a passeio ou famílias com crianças pequenas em miniférias. Sendo uma cidade pequena, tornava-se bastante atraente para casais com crianças pois podiam passear-se à vontade sem ficarem exaustos, a volta é pequena e não chateia se uma das crianças tiver de ser levada ao colo.
“Crianças” pensava Madalena, como gostaria de as ter, sonhava com isso desde nova, mas acreditava que o contexto tradicional era o mais indicado para ter filhos, com mãe, pai e de preferência também avós por perto. E ela, uma mulher sozinha, não considerava que tivesse condições para oferecer uma vida a uma criança. Talvez agora, que encontrou um homem que lhe mexe com as entranhas, talvez agora consiga vislumbrar uma centelha de possibilidade. E esqueceu-se do hotel e dos turistas e das crianças para voltar a concentrar-se no caminho que a levava até junto dele, quase que lhe sentia o cheiro, da última vez tinha ficado mesmo ao lado dele, e sentiu-lhe o perfume que lhe ficou gravado no cérebro e regressava de cada vez que pensava nisso. Acelerou o passo e nem reparou no grupo de rapazes sentados no café do outro lado da rua que já a miravam desde que deram com os olhos nela e a seguiram até que dobrou a esquina já ao pé da igreja. Subiu a avenida do lado esquerdo ao jardim.
Adorava aquele jardim, que dependendo da época do ano era presenteado com flores novas, plantadas uma a uma por jardineiros carinhosos. Na quaresma, pintavam-no de amores-perfeitos roxos a condizer com as bandeiras que ladeavam os arbustos que faziam o contorno do jardim. Os saltos dos sapatos balançavam na calçada mas estava treinada para andar sobre qualquer tipo de piso mesmo com stilettos, não fosse ela a elegância em pessoa, parecia que deslizava sobre o chão e quase que não se lhe ouviam os passos, se não fosse uma mulher tão sofisticada quase que se poderia dizer que fazia de propósito para chegar sorrateira e surpreender, mas não, era-lhe natural, não fazia esforço algum.
Atravessou a rua e virou à direita para contornar a esquina à esquerda passando mesmo junto da esplanada repleta de ociosos que aproveitavam os raios de Sol primaveris. Notou que a estação da Via Sacra pegada ao muro do museu estava aberta e não resistiu a espreitar, atravessou de novo a rua para passar mais perto das imagens que a fascinavam. Eram velhas e desbotadas mas eram também tão expressivas que a emocionavam, e não conseguia fugir-lhes de cada vez que passava por uma das várias estações que havia espalhadas pela parte velha da cidade. Imaginava as mulheres que cuidavam delas, despachadas e trabalhadoras de mãos calejadas, talvez se revezassem no asseio das jarras, pois tinham sempre flores frescas, achava aquelas estações da Via Sacra maravilhosas.
Passou pelo museu e voltou a acelerar o passo, faltava pouco e o coração batia mais forte, cada vez mais forte. Teve medo das pernas, podiam falhar-lhe tal era a excitação que sentia. Viu a esplanada cheia, e estava espalhado no ar o cheiro a café e a croissants mornos, havia jornais e revistas nas mãos e nos colos dos clientes e rapazes a jogar à bola, eram normal ao Domingo de manhã naquela praça haver aquela agitação que curiosamente a acalmava. Respirou fundo e sentiu uma vertigem subir-lhe pelas pernas e pelas entranhas e entrou.
Viu-o sentado no sítio do costume, e não estava ninguém sentado ao lado dele. “É a minha oportunidade” disse-se, avançou e sentou-se, reconhecendo o perfume, toda ela tremeu e garantia que todas as pessoas ali notaram a sua perturbação mas esforçou-se por manter a postura. Ele olhou-a e sorriu-lhe, ela retribuiu o sorriso mas ele provocava-lhe uma emoção que não compreendia completamente pois a última vez que a sentira era ainda adolescente, virgem e inocente, e que a fez virar-se para a frente quase automaticamente, como que embaraçada. Arrependeu-se imediatamente de não ter olhado de frente para ele nem que fosse por mas dois ou três segundos, talvez ele lhe tivesse dirigido a palavra, talvez lhe tivesse sussurrado um “bom dia”. Ouviu a música e saiu da dormência em que entrara no segundo em que o viu. Benzeu-se, e começou a missa.
29.8.12
Sono
Como faço todas as noites, antes de me deitar vou buscar o rapaz pequeno e levanto-o para o levar à casa de banho. Já não o levo ao colo que ele já ultrapassou há muito o meu limite máximo de levantamento de peso, mas basta orienta-lo e ele vai pelo pé dele, de olhos fechados e faz o chichi. Ontem, deixei-o à porta da casa de banho e fui-me despir. Quando lá cheguei estava de olhos fechados, muito direito a fazer chichi para dentro da banheira.
30.5.12
Não é bem a mesma coisa
- Are you happy?
- I don't have the right to be unhappy... but that's not really the same thing, is it?
- Not quite.
Impacto
Há homens que escolhem as mulheres pelo impacto que elas causam neles próprios, e há homens que escolhem as mulheres pelo impacto que elas causam nas outras pessoas.
21.3.12
Negação
Quando toda uma teoria científica se baseia num pressuposto que está errado, ela acabará invariavelmente por ser desacreditada. Assim fizeste, com as tuas atitudes e esquemas, venenos e armadilhas, não só desacreditaste tudo o que estava para trás como me fizeste negar tudo o que até aqui eu guardei como bom. Portanto, o que te disse um dia, convencida do homem que tu não és e que hoje acredito que nunca tenhas sido, será impossível de cumprir. Disse-te que nunca seria capaz de te virar as costas se um dia precisasses de mim mas sucede que não posso manter a minha palavra, porque tu simplesmente, deixaste de existir.
11.3.12
Desilusão
Ouvi no outro dia um escritor famoso dizer que a primeira frase do primeiro romance que escreveu foi muito bem pensada. Que pensou, pensou, pensou até que a frase fosse perfeita, pois o objetivo era que prendesse a atenção do leitor. Desilusão. Eu achava que quem escreve o faz porque tem de o fazer, porque lhe vem de dentro, do coração ou das entranhas, ou porque a ideia lhe martela na cabeça até ser libertada através de letras e palavras, simplesmente por necessidade de escrever, como o pintor tem de pintar e o compositor de compor, de materializar o que lhe vai na alma ou de dar vida a demónios e monstros capazes de feitos inconfessáveis, ou de fazer emergir pessoas e vidas não vividas mas imaginadas em turbilhões de imagens mentais, e nunca para agarrar a atenção de alguém ou a pensar se quem lê irá gostar. Sempre achei que o escritor escrevia primeiro para si. Sou mesmo ingénua. E parva.
8.3.12
Finalmente
O trabalho foi entregue e hoje saiu e nota. 18. Devia estar contente, e até estou, só que não estou. Fico a pensar que se tivesse tempo para estudar e para preparar os trabalhos como deve de ser fazia esta merda com uma perna às costas. Mas como o tempo é pouco, os meus filhos pesam-me na alma por estar a roubar-lhes tempo e atenção, o dinheiro não sobra e o meu carro bebe cada vez mais o que significa que tenho realmente de trocar de carro urgentemente porque as viagens até Braga estão literalmente a depenar-me, o novo trabalho que me faz estar constantemente alerta, e isto não é forçosamente uma coisa má, mas o facto de ter tido boas notas no primeiro semestre, em vez de me trazer satisfação só me dá tristeza, porque provavelmente vou congelar a matricula no final do segundo semestre e vou ter muita pena. Só não o faço já porque iria deitar fora a massa que já paguei de propinas e como já paguei metade custa-me desperdiçar. Mas custa-me aguentar, custa, custa, bastante.
26.2.12
Falta pouco...
Estou a tentar terminar o último trabalho que tenho de apresentar, que é um web site que tenho de entregar amanhã e cuja entrega significa colocá-lo online e enviar aos professores o link para lá irem ver. Mas não resisti e fui ver se já está na pauta a nota do exame que fiz no dia dezasseis e como tinha dito que mostrava as notas do primeiro semestre, cá estão:
Introdução aos Estudos Literários: 12 (a do exame)
Introdução aos Estudos da Linguagem: 14
Português: 15
Inglês: 19
E só falta esta, que os professores são finos, não se sabe a nota do primeiro trabalho para ninguém se baldar neste. Veremos.
Introdução aos Estudos Literários: 12 (a do exame)
Introdução aos Estudos da Linguagem: 14
Português: 15
Inglês: 19
E só falta esta, que os professores são finos, não se sabe a nota do primeiro trabalho para ninguém se baldar neste. Veremos.
21.2.12
Patifes!
Chegamos a casa e mandei-os à garagem buscar um cesto de lenha. Foram. Acendi a lareira e comecei o jantar. Mandei-os por a mesa. Puseram. Enquanto eu cozinhava mandei-os lá baixo buscar o correio à caixa. Foram. Sentamo-nos para jantar e enquanto eu os servia começaram a balbuciar qualquer coisa entre eles que eu não percebi, mas quando começaram a rir às gargalhadas perguntei-lhes o que se passava. Começou o grande, ai mãe, nem sabes o que aconteceu, o pequeno continuou, sabes o que eu fiz no elevador? sabes, mãe?, eu não sei, o que foi que fizeste? olha mãe, dei um pu muito malcheiroso dentro do elevador e depois quando chegamos lá baixo, entrou uma senhora. Ai valha-me Deus, disse eu, enquanto eles se riam às gargalhadas, coitadinha da senhora.
14.2.12
Valentine
Não tenho um mas dois. São dois tremendos calhamaços que tenho de peneirar e absorver até quinta-feira pois espera-me de goelas abertas e dentes afiados um magnífico exame da cadeira semestral de "Introdução aos Estudos Literários" prontinho para me devorar. Vai daí, tenho programa para hoje à noite, amanhã à noite e quinta-feira até à hora do exame. Se correr bem devoro-o eu a ele e poderei dizer o que quero tanto dizer: menos uma! Depois dessa é fazer e entregar o trabalho da outra cadeira semestral que se chama "Tecnologias de Comunicação em Humanidades" que é nada mais nada menos do que construir um website para a empresa de um amigo que gentilmente concordou com esta aventura. E acabo o semestre, aleluia! As outras estão no papo já desde que acabaram as aulas. Depois mostro as notas. Estou triste contudo, ainda não sei se o novo emprego me permitirá frequentar o segundo semestre. Façam figas...
13.2.12
Simples
Há mulheres que querem um homem para não se sentirem sós. Há mulheres que querem um homem para se sentirem amparadas, apoiadas. Há mulheres que querem um homem para terem companhia para irem aos sítios. Há mulheres que querem um homem que as sustente. Há mulheres que querem um homem porque acham que os outros pensam que uma mulher que esteja sozinha é porque não é boa peça, se ninguém lhe pega é porque não deve valer grande coisa. Lamento muito mas não consigo encaixar-me em nenhum dos exemplos acima descritos, primeiro porque não encaixo propriamente na categoria das mulheres que querem um homem, apesar da verdade ser que também não posso dizer que não quero porque em tempos dizia que não queria e depois acabei por querer, portanto posso eventualmente vir a querer um homem, e tendo esclarecido o primeiro ponto, passo ao segundo, que é então o porquê, ou o para quê quererei eu um homem. Admito que já pensei nisto muitas vezes, e de todas elas cheguei à mesma conclusão. É fundamental que eu goste desse homem, não é fundamental que o ame, que eu goste é suficiente. Mas não sendo imperativo que me ame, apenas que goste de mim, é imperativo que saiba e aceite que não o quero para nada, só que gosto dele. E isto, parecendo tão simples, é provavelmente o mais complicado.
7.2.12
Baralha, parte e dá II
Há os homens que nos amam, mas nem sempre nos merecem. E há os que nós amamos e que julgamos merecer. Depois baralhamos tudo e agradam-nos os que nos merecem, mesmo que não sejam os que amamos.
6.2.12
Tola
Percebi aqui há dias, no dia 2 de Fevereiro para ser precisa, que na véspera teria sido o décimo quinto aniversário do meu casamento, claro, se estivesse casada. Estava à mesa, em casa dos meus pais e falavamos no dia do aniversário do meu irmão, que era dali a dias, e que entretanto já foi. E a minha mãe, pergunta-me sorrateiramente se não tinha feito anos que eu casei. Tive de pensar, juro que não tive a certeza, mas sim, tinha feito anos que casei. É assombroso como esse facto se apagou completamente da minha memória, assim como também desapareceu a marca do dia em que nos separamos, o dia em que ele efetivamente saiu de casa. Passo por esses dias sem me ocorrerem os eventos, tanto o casamento como a separação. E devo acrescentar que o dia do divórcio também passa despercebido, é que na véspera de ano novo, há outras coisas em que pensar. A minha mãe nunca compreendeu bem esta minha característica, ela acha que sou um bocado tola, mas a verdade é que pouco tempo depois de estar sozinha, não me lembrava sequer que ali tinha vivido aquela pessoa. Desapareceram as memórias, todas, as más e as boas também. Vivo naquela casa como se ali sempre tivesse vivido sem ele, nem me lembro que ele existe. Todos os dias sou confrontada com a existência dele, ele telefona aos filhos todas as noites, e os filhos falam nele frequentemente, mas isso permanecer na minha cabeça é outra coisa completamente diferente. Não fica nada. A minha mãe diz que sou tola, vivi com um homem durante doze anos, tive dois filhos dele, e nem me lembro que ele existe. Temos uma relação perfeitamente cordial, falamos o que temos de falar, combinamos as coisas conforme nos dá jeito, somos flexíveis em relação a horários, fins de semana, almoços e jantares de família que calhem fora de tempo estabelecido, sem qualquer problema ou hostilidade, conheço a namorada dele e damo-nos lindamente, ele entra lá em casa quando vai buscar os miúdos e circula pela casa toda, cumprimentamo-nos e despedimo-nos com dois beijos como se fossemos amigos, mas mal ele sai, puff... desaparece, esfuma-se, como se nunca tivesse existido. Devo ser tola, serei?
30.1.12
Máscara
Sim, eu sei que também tem uma máscara, disse-me ela, para logo depois me perguntar se podia tratar-me por tu. Concerteza que sim, é engraçado como todos, naturalmente, me tratam por você. No outro dia houve uma miúda que se referiu a mim como "aquela senhora", o que me fez soltar uma gargalhada. Mas voltando à máscara, se soubesses querida, o trabalho que dá não ter máscara alguma, e o que dói às vezes, se soubesses... O tempo passa e não há paciência para máscaras, isso é para ti que tens dezoito ou dezanove anos, eu já não tenho paciência. As máscaras, querida, vais aprender um dia que só nos tornam prisioneiras de nós próprias, tira a máscara, conhece-te e aceita-te e verás, serás livre. Mas a liberdade, também aprenderás um dia, paga-se.
26.1.12
23.1.12
Emoção
O grande, mãe! acho que vou ter um ataque cardíaco! O quê?!? perguntei eu, espantada. Sim, o meu coração está a bater muito! E o pequeno, o meu também mãe! Sinto a música a bater. E o grande, eu também, sinto a música a bater aqui no coração! Eu olhava ora para um ora para o outro, primeiro aflita, mas depois a sorrir-lhes. É da emoção rapazes, é da emoção!
(Estavamos no meio da multidão, apertadinhos como sardinhas numa lata, mas adoramos!)
(Estavamos no meio da multidão, apertadinhos como sardinhas numa lata, mas adoramos!)
Espetáculo da Abertura Oficial da "Guimarães - Capital Europeia da Cultura 2012" no Largo do Toural, 21.01.2012 |
20.1.12
Perdão
Tenho grande dificuldade em perdoar, custa-me muito. Não perdoei o meu ex-marido, divorciei-me. Perdoei-lhe apenas depois. Não perdoei o meu patrão, despedi-me. Anteontem. Talvez um dia lhe perdoe, não sem antes me afastar. Nunca sinto necessidade de me vingar ou de agredir, só de me afastar, de cortar relações e terminar a convivência e a partilha. Depois, muito depois virá talvez o perdão. Não sou capaz de respeitar quem me desrespeita, não sou capaz de sequer conviver com quem me desrespeita, e insistir é violento, violento-me profundamente. Assim, vou-me embora rumo a novas aventuras, mais modestas, mais humildes, mas mais dignas, que a dignidade não tem preço. A minha, pelo menos, não.
8.1.12
Porquê?
Mãe, agora nunca estamos contigo. Porque é que tinhas de ir para a universidade?
(Achei que com duas noites por semana a deixa-los a dormir em casa dos meus pais me safava. Achei mal e tenho de dar a volta a isto no próximo semestre, ou faço menos cadeiras ou simplesmente deixo aquilo. Dói-me demasiado. Não quero ouvir mais o que ouvi hoje. Não quero).
(Achei que com duas noites por semana a deixa-los a dormir em casa dos meus pais me safava. Achei mal e tenho de dar a volta a isto no próximo semestre, ou faço menos cadeiras ou simplesmente deixo aquilo. Dói-me demasiado. Não quero ouvir mais o que ouvi hoje. Não quero).
6.1.12
Carne
Retirada a carga do desejo, começamos a observar as pessoas de outra forma. Seja por se ter concretizado a vontade ou seja por despontar a falta dela, quando já não olho para um homem com desejo, vejo-o muito melhor. E se houve de quem gostei menos, outros há de quem gosto muito mais. Outros não, outro, vá.
2.1.12
Fuga
Não tenho desejo nenhum. Um dia atrás do outro. Saúde. Mais nada. Não tenho mais desejo nenhum, estou vazia. Vazia de desejos, vazia de projetos, vazia de amor. Vazia de tudo. Há coisas que gosto e há coisas que não gosto, sinto-me distante de todas, tão distante. Estou a fugir, mas não sei bem de quê. Estou triste, mas não sei bem porquê. Tenho vontade de fugir, estou a fugir desesperadamente apesar de ficar no mesmo lugar. Estou aqui, e todavia tão longe, ainda não parei, ainda não acabei de fugir.
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