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24.8.11

Post aborrecido sobre roupa, ou moda, não sei bem.

Trabalho há vinte anos na industria têxtil, em vestuário, e no entanto, não percebo um boi de moda, por um motivo extremamente básico, nunca a moda me interessou. Vagueio pela blogsfera e vejo os blogs famosos de mulheres supostamente entendidas na matéria, vejo fotografias de revistas conceituadíssimas a lançar tendências, vejo catálogos de marcas conhecidas com as novidades de cada estação. Talvez por lidar com roupa há demasiado tempo moda é assunto que não me diz nada. Não gosto, e se pensar um bocadinho mais poderia dizer até que me causa um nadinha de asco. Sou obrigada a saber qual é a tendência da estação em termos de cores, formas e texturas, mas só porque sou obrigada. Sei se a roupa tem qualidade ou não e se a relação qualidade/preço está bem ou mal. Às vezes rio-me com as marcas que andam aí na moda, se as pessoas soubessem, mas não vou ser eu a destruir o glamour da coisa. Aliás, até vou. Quando as marcas aparecem em Portugal, normalmente já não valem a ponta de um chavo no país de origem, é triste mas é verdade. Uma marca nova, hot, muito fashion, quando começa a ser vista cá, é porque já deu o que tinha a dar. Exemplo, em 2003 comecei a trabalhar uma marca americana que começou a dar que falar nos USA quando o designer que lhe pegou resolveu deixar meia dúzia de bonés no hotel onde estava a Britney Spears e a moça meteu o boné na cabecinha. Namorava ela na altura com o Justin Timberlake. E a marca explodiu porque a rapariga apareceu na TV ou numa revista qualquer com o puto do boné e milhões de pessoas quiseram ter o mesmo boné. Quando foi preciso fazer t-shirts a granel, cá apareceram eles, para produzir em Portugal. Até aí faziam t-shirts em Los Angeles, como? Compravam t-shirt lisas, em várias cores à Americal Apparel, sim é verdade, a America Apparel é uma empresa que faz roupa de péssima qualidade, a preços de merda, na Ásia, mas só as bases, as formas, para vender a outras marcas que depois personalizam, com estampados, bordados ou outras decorações, mas agora a American Apparel parece que está na moda, enfim. Nesse ano, essa marca dos bonés vendeu muitos bonés e muitas t-shirts, no ano seguinte explodiu na Europa, por altura do Europeu de futebol de 2004 tivemos uma convenção aqui na terrinha, recebemos todos os distribuidores europeus e vendemos umas boas centenas de milhar de peças, sem contar com as encomendas para os USA que fomos depois buscar a Saint-Tropez, onde o tal designer estava de férias com a família. Bom, tudo isto para dizer que, esta mesma marca só começou a despontar em Portugal cerca de três anos depois, só que três anos depois, já o designer tinha batido com a porta e lançado outra marca que já tinha explodido nos USA, já não vendia quase nada nos USA e na Eurora já estava em decadência. Quero com isto dizer que, nunca vi nenhuma das marcas "cutting edge" em blog nenhum, ninguém as conhece. São aquelas marcas pequeninas, topo de gama, que as outras marcas vão copiar. Peço desculpa, copiar não que é feio, vão retirar inspiração. São aquelas marcas que encomendam quinhentas ou mil peças de cada modelo e pagam o preço justo pela peça. Depois vendem t-shirts a duzentos e cinquenta euros, claro, que ninguém anda aqui a trabalhar para aquecer e as lojas em Paris, Londres e Nova Iorque têm rendas altas, certo? Depois os "scouts" de grupos como a Inditex fotografam a montra e mandam para a base onde dezenas de designers trabalham essa inspiração e três semanas ou quatro depois temos modelos "inspirados" nesse nas lojas da Zara à venda por 9,99 Euros. Por isso a Inditex não tem uma política de direitos humanos. Não tem. Por isso acontecem coisas como o que se descobriu no Brasil. Não me surpreendeu nada. A Inditex não é directamente responsável por situações daquelas, mas pode perfeitamente desligar-se de misérias destas, só que custa dinheiro e encarece as peças. Já li num blog que a autora preferia gastar cem euros em roupa na Zara do que cem euros numa boa refeição num restaurante. Eu aceito, são opções. Mas posso, claro, questioná-las. Eu prefiro gastar cem euros num par de calças de uma marca que sei que manda pessoas verificar a fábrica antes de colocar uma encomenda e só confirma a encomenda se a puta da fábrica tiver casas de banho como deve de ser, sim, a auditoria puxa o autoclismo e se o mesmo não funcionar conta como não conformidade, e se os recibos de vencimento dos funcionários estiverem de acordo com a lei em vigor nesse país, e se as horas extra forem pagas justamente, e se as entrevistas individuais feitas a funcionários escolhidos aleatoriamente forem satisfatórias, perguntam se se sentem bem, se são respeitados pelos superiores, se há assédio de qualquer espécie, e se os exercícios de incêndio estiverem em dia e devidamente documentados e certificados pela Corporação de Bombeiros, e se os extintores forem inspeccionados regularmente, e se as saídas de emergência estiverem bem assinaladas e desimpedidas. Pois, isto envolve investimentos por parte das fábricas que queiram trabalhar com estas marcas, e envolve contratar empresas que auditem estas fábricas, e isto, faz com que o preço da peça aumente. Mas isto também dignifica os trabalhadores, e por conseguinte valoriza uma marca. Eu prefiro gastar cem euros numa t-shirt, ou num par de calças produzida nestas condições do que gastar cem euros em seis, sete ou oito peças das outras, só que depois, claro, tenho pouca roupa que eu não sou rica, e não ando na moda, nem percebo nada de moda. Mas as pessoas não sabem e tal... é tão fácil saber, basta ir à internet investigar. Investiga-se tanta coisa, menos a roupa. Naa, a roupa é para usar, para brilhar, não é para pensar.